O Globo,
Brazil
Americans Being 'Swallowed' By Iraqi Need for Vengeance
"If politics (and history) is all about perceptions, the credibility of the principal power of this planet - and the only one capable of imposing some type of "peace" - is eroding in the Middle East like sand through an hourglass."
By William Waack*
Translated By Brandi Miller
January 1, 2006
Brazil - O Globo - Original
Article (Portuguese)
The unedited images of Saddam Hussein's hanging now circulating on
the Internet are revolting. Apparently taken by cell phone, they show what an ashamed
Iraqi state television did not want to put on air Watch . No, the official version
doesn't show the moment his neck is broken by the rope, nor does it show the bulging
eyes of the dead man.
In the unedited images, Saddam’s hanging has the look of a lynching.
Some may think that such a lynching is understandable or even justified given their violent emotions, but Saddam's seems to have been carried out in cold blood by a band of delinquents that knew they had to act with haste. The executors curse the
condemned man, make political provocations and tell him to go to hell while he
says his final prayer. He – the bloodthirsty dictator – is the one that comes
out of it all as dignified and noble.
It doesn't appear to be an act carried out by an organized State
in the name of justice and of its people. It seems only to be a gesture of revenge
of one religious group against another. The images of the hanging contradict
the fiction, maintained solely by the American government, that the execution
would be an "act of justice," taken under the legal authority of a
legitimate and independent government.
Politics (and even history …) is all about perceptions. Therefore,
what is decisive is the way that people interpret what happens. Judging by what
the brilliant John Burns of The New York Times has written from Baghdad,
the Americans themselves tried up to the last minute to stop a process that to
them looked self-evidently harmful. They were rebuffed by the government in Baghdad,
which is more and more perceived across the Middle East more of a factional participant
of a civil war, rather than as a government of the country.
The images of the tyrant’s hanging prove at least one point:
nothing in Iraq will change with the execution of Saddam Hussein. And it is
worth reiterating another point: the American invasion exposed ancient
conflicts (Shiites against Sunnis), destroyed all barriers to Iranian expansion,
disorganized the delicate regional equilibrium (recent events in Lebanon are the
best example) and unleashed an anti-American, anti-Western tsunami, especially
in terms of religion.
At the moment, it's impossible to foresee how all of these factors
are going to evolve –one can only pray that they don't end up provoking a
regional conflagration that would drag in all the countries of the Middle East,
especially Iran and Israel. Just as it's impossible
today to say whether this confusion will crystallize into a situation in which the
United States will come out ahead. The Americans are losing, their interests in
the region are not being defended and the government in Washington gives every
indication that it doesn't know what more to do.
At this moment, there is no "good" solution for Iraq in
the sense of preserving its territorial integrity and guaranteeing the
withdrawal of American and British troops. The dilemma has been discussed to
the point of exhaustion and can be summed up in one sentence: it's impossible
to control the civil war, which is very bad, but leaving the Iraqis to kill one
another would be even worse. And if politics (and history…) is all about
perceptions, the credibility of the principal power of this planet – and the
only one capable of imposing some type of "peace" – is eroding in the
Middle East like sand through an hourglass.
In that sense, the execution of Saddam Hussein (leaving aside the
moral questions) was not a victory for those who invaded Iraq under the banner
of regime change and democracy. This would have required the cruel tyrant's hanging
to have been seen as a consequence, perhaps inevitable, of a difficult trial in
a country trying to set right a terrible past. Not as an act of revenge – which is now swallowing up the
Americans themselves.
Portuguese Version
Below
Morte de Saddam parece um gesto de vingança
Jan. 1
As imagens não-editadas do enforcamento de Saddam Hussein que circulam na Internet são revoltantes. Feitas aparentemente por um telefone celular, mostram o que a envergonhada televisão estatal iraquiana não quis pôr no ar. Não, não se trata do momento em que o pescoço do executado é quebrado pela corda que o sustenta. Nem dos olhos abertos do morto.
O enforcamento de Saddam Hussein, nas imagens não-editadas,
tem a aparência de um linchamento. Para quem possa achar que um linchamento se explique, ou até se justifique, por emoções violentas, o de Saddam parece ter sido praticado a frio por um bando de criminosos sabendo que têm de agir com pressa. Os executores xingam o condenado, fazem provocações políticas e o mandam para o inferno enquanto ele faz a última prece. Ele -o ditador sanguinário- é quem surge digno e altivo.
Não parece um ato praticado por um Estado organizado, em nome da justiça e de um povo. Parece apenas um gesto de vingança de um grupo religioso contra o outro. As imagens do enforcamento desmentem a ficção, mantida apenas pelo governo americano,
de que a execução teria sido um "ato de justiça" levado adiante dentro de convenções legais por um governo legítimo e independente.
Política (e até História...) é feita de percepções, pois o que é decisivo é a maneira como as pessoas interpretam o que acontece. A julgar pelo que escreve de Bagdá o brilhante John Burns, do "New York Times", os próprios americanos tentaram frear na última hora um processo que lhes parecia evidentemente prejudicial. E foram enrolados por um governo, o de Bagdá, que é cada vez mais percebido em todo o Oriente Médio como o governo de uma facção participante de uma guerra civil, e não de um país.
As imagens do enforcamento do tirano provam pelo menos um ponto:
nada muda no Iraque com a execução de Saddam Hussein. E
vale a pena reiterar outro: a invasão americana destampou conflitos milenares (xiitas contra sunitas), rompeu os limites que freavam a expansão do Irã, desorganizou a delicada teia de equilíbrios regionais (o que acontece no Líbano é o melhor exemplo) e desatou um tsunami
anti-americano e anti-ocidental, sobretudo religioso.
É impossível prever neste momento como todos esses fatores irão evoluir -pode-se apenas rezar para que eles não terminem provocando uma conflagração regional que arrastaria todos os países do Oriente Médio, sobretudo Irã e Israel. Assim como é impossível dizer, hoje, se dessa confusão se cristalizará uma constelação na qual os Estados Unidos sairão beneficiados. Os americanos estão perdendo, seus interesses na região não estão sendo defendidos e o governo em Washington dá claras demonstrações de que não sabe mais o que fazer.
No momento, nenhuma solução para o Iraque é "boa" no sentido de se preservar a unidade territorial e garantir a saída das tropas americanas e britânicas. O dilema tem sido apontado à exaustão e pode ser resumido em uma só frase: é impossível controlar a guerra civil, o que é muito ruim, mas deixar os iraquianos matando-se mutuamente é até pior. E se política (e História...) é feita de percepções, a credibilidade da principal potência do planeta -e a única capaz de impor algum tipo de "paz"- está erodindo no Oriente Médio como a areia caindo por uma ampulheta.
Nesse sentido, a execução de Saddam Hussein (deixando de lado as questões morais abordadas na coluna anterior) não foi uma vitória para os que invadiram o Iraque sob a bandeira da troca de regime e da democracia. Para isso, o enforcamento do cruel tirano teria de ter sido percebido como a conseqüência, talvez inevitável, que resulta do difícil processo de um país acertando contas com um terrível passado.
E não como um gesto de vingança -na qual os próprios americanos estão sendo engolidos.
William Waack