E estamos de volta ao Paquistão, a esquina mais perigosa do mundo. Perspicácia de almanaque: país com 187 mihões de habitantes -95% são muçulmanos e 35% têm menos de 15 anos-, que faz fronteiras com a China, Índia, Irã e Afeganistão. Há setores que são virulentamente antiocidentais na população e fora do controle do governo. Mais um detalhe: o Paquistão tem um arsenal nuclear (como a vizinha e rival Índia), com um prontuário de exportar a tecnologia.
E é uma esquina, portanto, também de atividades muito nebulosas. Claro que era “inconcebível” (na expresão de John Brennan, assessor de contraterrorismo da Casa Branca) que Osama bin Laden não tivesse uma rede de apoio no país. Afinal, sua “caverna” era uma casa fortificada no coração do país, a uma curta caminhada do equivalente da academia militar de West Point. Mas quem apoiava e como explicar a impunidade? Todas as respostas são perturbadoras, indo de proteção à incompetência.
O Paquistão é o país da duplicidade institucional. O governo do presidente Asif Ali Zardari alega que não sabia que a pessoa mais procurada no mundo estava em Abbottabad. Mais: ele diz que o Paquistão faz sua parte na luta contra a rede Al Qaeda. Qual a percentagem? Fácil fazer piada. Zardari é conhecido como Mr. Ten Percent, pelas alegações de corrupção envolvendo as comissões que costumava receber quando sua mulher, Benazir Bhutto, governava o pais. Mas ele é viúvo. Benazir Bhutto foi assassinada pelo terror em dezembro de 2007.
É concebível que o fraco governo civil não soubesse da confortável caverna em Abbottabad. É um governo mais simpático ao Ocidente. No entanto, precisa fazer o jogo de cena para a platéia com muitos componentes antiamericanos e agora chia contra a violação da soberania ocorrida com a operação para pegar e matar Osama Bin Laden.
Já o aparato militar e de inteligência fingia não saber ou simplesmente era cúmplice do terrorista. A relação deste aparato com os americanos é promíscua. Joga a favor e contra e, por falta de melhores opções, os americanos participam deste jogo. Vale lembrar que a ajuda dos EUA para gente como Osama Bin Laden nos tempos da luta contra a ocupação soviética no Afeganistão há 30 anos era conduzida através do então regime militar paquistanês.
De volta à promiscuidade do presente. Há setores deste aparato militar paquistanês que patrocinam grupos extremistas no país e também o Taliban no Afeganistão. Há setores que são de forma ativa ou passiva pró-Al Qaeda. Por outro lado, lideranças terroristas são presas e mortas e milhares de soldados paquistaneses já morreram nos combates. É perfeitamente concebível que setores do aparato militar paquistanês tenham facilitado a operação americana contra Osama bin Laden, embora não soubessem dos detalhes ou quem fosse o alvo. Os paquistaneses são sempre cúmplices de alguém. Fazem um discurso público e agem ao contrário na surdina.
Esquina perigosa e nebulosa. Guy Sorman, o acadêmico francês, tem uma sacada interessante. Ele diz que é possível fazer uma localização geográfica do Paquistão, mas o país é uma ilusão. É uma frouxa associação de nações e etnias, sem língua comum e poucos interesses comuns. A exceção nesta fragmentação é este aparato militar, na maioria de descendência punjabi. O seu propósito é combater a Índia. Desde a partilha do subcontinente indiano, em 1947, tudo é feito por este combate: construção do arsenal nuclelar, patrocínio de variantes do terrorismo islâmico (basta lembrar o ataque em Mumbai em 2008) e apoio ao Taliban para impedir qualquer governo a favor dos indianos em Cabul.
Osama bin Laden era conveniente para este propósito, gerando terror e instabilidade, além de impedir que os EUA se aproximassem demais da Índia, na medida em que Washington precisa do Paquistão para combater o extremismo islâmico. O país é vital em termos estratégicos e não tem credibilidade.
O que fazer, portanto, com esta duplicidade institucional do Paquistão? O escritor Salman Rushdie (muçulmano e indiano) escreveu esta semana que o Paquistão deve ser declarado um estado terrorista. O Paquistão tem este componente de república de banana, mas também é uma república nuclear. O Paquistão não é um inimigo frontal dos interesses americanos ou ocidentais, mas deve ser tratado com toda suspeita.
E se o Paquistão fosse realmente inimigo declarado, como lidar com ele? Confrontar é perigoso, abandonar também é. Seria talvez ideal fornecer menos bilhões de dólares para seus militares e dar mais ajuda para seu sistema educacional (o seu colapso contribuiu para o fortalecimento de madrassas, as escolas religiosas que são foco de recrutamento para jihadistas). No Congresso em Washington, aliás, existe uma crescente chiadeira contra esta ajuda generosa.
E melhor manter alguns inimigos ou elementos suspeitos mais perto da gente. Não há dúvida que o episódio da operação que culminou na morte de Osama bin Laden é um sério desafio à preservação da duplicidade institucional do Paquistão. Mas a implosão definitiva na esquina mais perigosa do mundo seria uma herança maldita do astro global do terrorismo.
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