O paradoxo do Partido Republicano: despedir Trump é possível e impossível ao mesmo tempo
Alexandre Martins
09/10/2016
“Alguns líderes do partido têm pedido que o candidato desista porque é o caminho mais fácil. Tentar substituí-lo de outra forma seria um passo inédito e um pesadelo a apenas um mês das eleições.”
A memória é curta, mas a verdade é que a pergunta já foi feita várias vezes desde que Donald Trump anunciou a sua candidatura à Casa Branca: o Partido Republicano pode afastar o seu candidato e nomear outro para enfrentar Hillary Clinton nas eleições?
A resposta mais curta é “sim” e a resposta mais longa é “sim, mas neste momento é tão provável como acertar numa estrela com uma pedra, mesmo que seja no meio do campo e numa noite de Verão particularmente límpida”.
Há apenas dois meses, quando Donald Trump se envolveu numa polémica com a família de um militar norte-americano muçulmano morto em combate no Iraque, muitos analistas foram convidados a dar a sua opinião sobre o tema, numa fase em que o candidato do Partido Republicano deu um trambolhão nas sondagens nacionais.
Já na altura a opinião era consensual: era tarde demais para qualquer tentativa de afastar Donald Trump da corrida à Casa Branca como candidato do Partido Republicano.
A hipótese “Regra 9”
Em teoria, os líderes do partido podem ainda trazer para cima da mesa a Regra 9 do Comité Nacional Republicano, sobre a substituição de candidatos. Em resumo, essa regra autoriza o órgão do partido a preencher “toda e qualquer vaga que possa ter ocorrido por razões de morte, declinação ou outra forma do candidato republicano a Presidente dos Estados Unidos”.
A primeira razão está fora de causa porque se trata de perceber se os republicanos anti-Trump podem despedi-lo, e não se estão neste momento a rezar pela sua morte ou a planear assassiná-lo – isso fica para aquele espaço da Internet em que se discutem teorias da conspiração. E a segunda razão também já foi à vida: “Os media e o establishment querem muito que eu saia da corrida – NÃO DESISTIREI NUNCA, NUNCA IREI DESILUDIR OS MEUS ELEITORES”, gritou Trump no Twitter.
Resta o recurso à batalha semântica para se perceber o que queriam dizer os senhores e senhoras que fizeram as regras quando escreveram “outra forma”. Mas também essa seria uma batalha muito breve: o consenso é que “outra forma” significa qualquer situação entre a morte e a desistência, como a súbita incapacidade do candidato para tomar uma decisão – por exemplo, o estado de coma ou uma outra condição em que o candidato está vivo mas não consegue indicar que desiste da corrida.
Por outras palavras, “outra forma” não significa “só porque alguém quer”.
Para complicar ainda mais o cenário, o Partido Republicano tem três caminhos para propor a substituição de um candidato, cada um mais difícil do que o outro – ou convoca uma segunda convenção e chama novamente os 2472 delegados que nomearam Trump em Cleveland, em Julho (uma tarefa praticamente impossível em termos logísticos a um mês das eleições); ou os 168 membros do Comité do Partido Republicano tomam em mãos essa responsabilidade e decidem por maioria que o candidato deve ser substituído; ou o Comité de Regras do Partido Republicano, com os seus 112 membros, propõe uma alteração à Regra 9 para facilitar a substituição de Trump, o que só é possível com uma maioria de dois terços nesse comité, sujeita a confirmação por uma maioria em todo o Partido Republicano.
Mesmo assim, o candidato a vice-presidente, Mike Pence, não passaria automaticamente para candidato a Presidente – vários nomes poderiam ser apresentados, e a discussão poderia voltar muitas vezes à estaca zero.
A votação já começou
Depois da revelação do vídeo em que Donald Trump se gaba dos seus avanços sexuais – ou em que defende e promove o assédio sexual, consoante as opiniões –, muitos jornais norte-americanos dizem que o movimento anti-Trump no Partido Republicano ganhou força e que há agora líderes a discutir se ainda vão a tempo de afastar o candidato que ajudaram a nomear na convenção nacional, em Julho.
Mas, seja qual for o argumento, faltam apenas 30 dias para as eleições (a 8 de Novembro), e mais de 400 mil eleitores já votaram nos vários estados que autorizam a votação antecipada, entre os quais a Florida e a Carolina do Norte, segundo o site United States Elections Projects – um desses eleitores foi o Presidente Barack Obama.
Nos próximos dias, outros estados vão autorizar a votação antecipada, e o problema agrava-se ainda mais porque também há prazos para que os boletins de voto possam ser substituídos e apresentados aos eleitores com o nome de outro candidato – se alguém no Partido Republicano tentar afastar Donald Trump, terá de preparar-se para incontáveis e longas batalhas judiciais com os representantes do partido em cada estado e, mesmo que tudo isso ficasse resolvido a tempo das eleições, a campanha de Hillary Clinton avançaria com a sua própria batalha judicial para reverter a substituição de Donald Trump.
Em resumo, os republicanos anti-Trump já deixaram passar há muito a oportunidade para travar a candidatura do magnata do imobiliário – resta-lhes esperar pelo dia das eleições, engolir a vitória de Hillary Clinton e dar início à difícil tarefa de reerguer o partido para 2020. É por isso que muitos republicanos estão a pedir que Donald Trump tome a decisão de se afastar. A apenas um mês das eleições, esse é o único caminho viável para os descontentes, até porque o candidato esmagou a concorrência nas eleições primárias e tem milhões de apoiantes do seu lado – uma manobra do Partido Republicano seria vista por eles como a derradeira traição, e dificilmente votariam noutro candidato qualquer.
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