Bush’s Veto to Anti-Torture Law

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Na esteira das revelações da imprensa, em 2004, sobre os horrores cometidos por soldados das forças de ocupação dos Estados Unidos no Iraque contra os detentos da prisão de Abu Ghraib, em Bagdá – numa amarga ironia, um dos mais infames centros de tortura do regime de Saddam Hussein -, o Exército americano elaborou um manual que estabelece 19 técnicas passíveis de serem seguidas no interrogatório de suspeitos de ser ”combatentes inimigos”. O regulamento proíbe o emprego de métodos violentos, mencionando especificamente o uso de capuzes, cães, nudez forçada, simulações de execução ou afogamento, privação sensorial ou de alimentos, hipotermia, humilhações sexuais. A iniciativa inspirou as bancadas democratas no Capitólio a apresentar um projeto que obrigaria a Agência Central de Inteligência (CIA) a se pautar estritamente por essas normas ao interrogar possíveis terroristas.

Tão logo o projeto foi aprovado por escassas maiorias – 222 votos a 199 na Câmara dos Representantes e 51 a 45 no Senado – o presidente George W. Bush declarou que iria vetá-lo. Foi o que fez no último sábado, anunciando a decisão no seu programa semanal de rádio. A explicação era a esperada: os imperativos do combate ao terrorismo. Segundo ele, as informações que a CIA vem extraindo dos interrogados (por meio de ”procedimentos diferentes” daqueles do Exército, conforme o eufemismo do diretor da agência, Mike Hayden) pouparam os Estados Unidos de outros ultrajes depois do 11 de Setembro, no território nacional e no exterior, bem como preveniram ataques a vôos comerciais originários da Grã-Bretanha. ”Como o perigo permanece, precisamos proporcionar aos nossos agentes de inteligência os instrumentos de que necessitam para deter os terroristas”, argumentou. ”Não é hora de abandonar práticas que comprovadamente mantêm a América segura.”

À parte a óbvia impossibilidade de conhecer os fatos por trás das palavras de Bush – não seria a primeira vez que estas os atropelam -, a eficácia, quanto mais não seja, de tais ”instrumentos” é contestada por autoridades com conhecimento de causa. Nelas se incluem, entre outras, funcionários superiores do FBI, 43 generais e almirantes da reserva, 18 especialistas em segurança nacional e ninguém menos do que o comandante americano no Iraque, general David Petraeus. As suas objeções são puramente práticas. (Já as dos políticos alertam para a erosão continuada da imagem dos Estados Unidos no mundo. As dos defensores de direitos humanos invocam as Convenções de Genebra que o país assinou e os seus governantes dizem que respeitam.) A primeira objeção é que interrogatórios brutais são ou desnecessários ou contraproducentes (falsas confissões). A segunda é que expõem desde logo futuros prisioneiros americanos de guerra aos mesmos padecimentos.

Bush falou explicitamente do método que dá às suas vítimas a sensação de estar se afogando, em torno do qual se condensou o conflito entre a Casa Branca e todos quantos, no Congresso, na imprensa, na sociedade americana – e no exterior – consideram que a permissão para torturar, a qualquer pretexto, será sempre uma violência contra os valores essenciais dos Estados Unidos. A crer no presidente, o waterboarding, como se chama a ignomínia, ”não faz parte do atual programa da CIA”. A agência admite ter recorrido a esse tipo de tortura em três casos, antes de bani-lo formalmente em 2006. Em tese, só poderá voltar a ser utilizado com autorização, caso a caso, do procurador-geral e do próprio presidente. De todo modo, o termo ficou indissoluvelmente associado a dois outros que simbolizam o que os anos Bush têm de mais lúgubre – Abu Ghraib e Guantánamo. Mas nem a sua acachapante impopularidade nem o fato de já avistar o ocaso de seu governo o fazem mudar.

O veto é uma forma de dizer que não admite qualquer arranhão nos poderes excepcionais de que ele dotou o titular do Executivo, em nome da luta antiterror – como o de autorizar o grampeamento de mensagens telefônicas e de e-mail de residentes nos EUA. Dado que a oposição muito dificilmente reunirá os 2/3 de votos parlamentares para derrubar o veto, a única esperança de remoção dessa e outras nódoas está na eleição de um presidente que seja a antítese deste.

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