Sleeping with the Enemy

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Globalizar-se ainda é, em grande parte, americanizar-se. E não tem sido diferente com esta China que aos poucos se abre para o exterior. Por sinal, não se conta sua história recente sem mencionar a inauguração do primeiro McDonald’s em 1992. Hoje as cidades estão cheias de McDonald’s e KFCs, entre outras lanchonetes. Os jovens que vão a elas falam inglês com mais desenvoltura do que os velhos; tomam contato com ele na escola e na internet todos os dias. E cada vez mais usam camisetas com dizeres no idioma de Hollywood nas ruas.

Há mais. Uma rede de materiais esportivos, Li-ning (nome de seu dono), imita quase literalmente a logomarca da Nike, cujas lojas estão espalhadas pelas grandes cidades chinesas. Cantoras copiam o som e os trejeitos de suas inspirações americanas. O maior ídolo da pintura contemporânea chinesa se chama Andy Warhol. E o mais curioso: as jovens chinesas, quase todas, têm nomes em inglês. Nossa intérprete, Aimeng Li, foi rebatizada pela professora de Grace. Os mais freqüentes, segundo ela, são Lucy e Lily. Ni hao, Lucy. Ni hao, Lily.

Isso tudo se vê numa cidade, Pequim, que hoje fará a abertura grandiosa de sua Olimpíada com a presença de George Bush II. Nos estertores de seu mandato, marcado entre outras coisas pelas imagens da prisão de Abu Ghraib, Bush vem irritando as autoridades chinesas com suas declarações sobre os direitos humanos, assim como os ciclistas americanos causaram mal-estar ao desembarcar no aeroporto com máscaras anti-poluição. Os chineses reagem com leveza, ou “espírito olímpico”, mas não escondem que gostariam mesmo de terminar os jogos com o maior número de medalhas, batendo a hegemonia americana. Esportes sempre são metáforas, para o bem e para o mal.

Sim, o mundo não é mais bipolar, e o jogo de farpas e afagos entre EUA e China não pode ser visto com os olhos do passado. Mas que a rivalidade existe, existe – e a Olimpíada a traduz de alguma forma, embora não se reduza a ela. A capa do China Daily de ontem dizia tudo com a foto de Yao Ming, o jogador de basquete, ídolo nacional num esporte em que os EUA sempre foram tão superiores, segurando a tocha com o retrato de Mao Tsé-tung ao fundo. O gigante quer vencer. E diz que de forma limpa.

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