Palin Outshines McCain

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Eleições nos EUA

Governadora foi a figura da Convenção

Palin suplantou McCain

Nasceu uma nova estrela republicana. Sarah Palin, número dois de McCain, electrizou a convenção e fez esquecer os rumores.

Tony Jenkins, enviado a Saint Paul, Minneapolis

0:01 | Sábado, 6 de Set de 2008

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Palin suplantou McCain John McCain no encerramento da convenção

Rick Wilking/Reuters

John McCain no encerramento da convenção

Enquanto os balões e os “confetti” choviam do tecto e os delegados republicanos faziam uma breve tentativa para dançar com algum entusiasmo para compensar um discurso sem brilho do seu candidato presidencial no fim da convenção nacional, Lukus Collins era brutalmente honesto: “Graças a Deus que temos Palin!”. Gritava por cima do ruído da banda. “Este discurso foi bastante mau”.

Para ser justo, Collins, delegado por Oklahoma, apoiava outro candidato republicano – Ron Paul. Acredita que os republicanos “se tornaram fascistas, tal como os nazis antes da Segunda Guerra Mundial. Rasgámos a nossa Constituição. Temos de voltar aos nossos velhos ideais. Mas tudo o que McCain ofereceu foi guerra, guerra e mais guerra. Vou-me abster no dia 4 de Novembro”.

De facto, guerra foi o tema que atravessou toda a convenção. Vídeos de guerra e atentados terroristas encheram o pano de fundo do palco. A frase de abertura de McCain foi “Na minha vida, o sucesso nunca veio sem uma boa luta”. No seu último parágrafo implorou repetidamente: “Lutem comigo. Lutem comigo!” Invocou a sua primeira recordação do pai partindo para a guerra depois de Pearl Harbor. Falou de forma comovente do seu serviço pelo país e do tempo que passou como prisioneiro de guerra no Vietname. Ao falar da Rússia avisou que “não podemos fechar os olhos à agressão e ao desrespeito da lei internacional que ameaça a paz e a estabilidade do mundo e a segurança do povo americano”.

A dureza dos republicanos

McCain falou da relação entre os partidos republicano e democrata em tom conciliatório: “Apesar das nossas diferenças, são mais as coisas que nos unem do que as que nos dividem. Somos todos americanos”. Mas durante a Convenção o registo foi diferente. A começar pelo Presidente George W. Bush, que se referiu à “esquerda zangada”, todos os intervenientes atacaram as “elites progressistas”, os “meios de informação progressistas”, “os cosmopolitas”, os habitantes das cidades e por implicação as minorias étnicas que lá vivem. Mais de 90% dos delegados republicanos eram brancos.

Embora os democratas falassem em investir no futuro, em energias alternativas, em comboios de alta velocidade, em tecnologia verde, Palin e a nova geração de dirigentes republicanos que ela representa ainda não acreditam na evolução, não aceitam o aborto mesmo no caso de violação ou incesto e não aceitam a investigação com células estaminais.

McCain e os outros oradores republicanos quase não falaram da crise nos cuidados de saúde, que deixou perto de 100 milhões de americanos com insuficiente ou nenhuma cobertura dos seguros de saúde.

Bush esquecido

McCain iniciou o seu discurso, tal como era obrigado, dizendo: “Estou grato ao Presidente por nos ter liderado nesses dias sombrios que se seguiram ao pior ataque da história em solo americano”. Mas não mencionou Bush pelo nome, nem qualquer outro orador. A verdade é que partes do discurso até podiam ter sido proferidas por um democrata: “Deixo aqui um aviso prévio ao velho pessoal de Washington, que só sabe gastar, que nada faz e que põe os seus interesses à frente dos do país: a mudança vem aí”.

Nem por uma vez os republicanos conseguiram encher o recinto onde decorria a convenção. Nas ruas em volta a única energia vinha dos manifestantes que se confrontaram com uma agressiva operação policial. Pode ser que a escolha de Palin para a vice-presidência ajude McCain a reunir um número suficiente de mulheres e de eleitores conservadores das classes trabalhadoras que o levem à vitória, mas na atmosfera desalentada do Xcel Center, na noite de quinta-feira, era difícil não sentir que os republicanos tinham chegado ao fim de uma era. McCain e Palin podem ser a fórmula certa para uma nova.

A nova fera da política americana

Palin suplantou McCain A governadora Sarah Palin, a número dois de John McCain, sentada no seu gabinete em Anchorage, no Estado do Alasca. O urso foi caçado pelo pai da candidata republicana à vice-presidência.

Andrew Testa/Panos

A governadora Sarah Palin, a número dois de John McCain, sentada no seu gabinete em Anchorage, no Estado do Alasca. O urso foi caçado pelo pai da candidata republicana à vice-presidência.

Sarah Palin é, como ela própria confessa, “um pitbull de “bâton””. Foi aos 18 anos que primeiro demonstrou essa qualidade. Capitaneou a equipa do liceu de Wasilla, que ganhou o campeonato estadual de basquetebol, fazendo um lançamento vital nos últimos momentos da final, apesar de jogar com um tornozelo fracturado. Foi então que ganhou a alcunha de Sarah Barracuda.

Anne Kilkenny, uma vizinha em Wasilla que conhece Palin há 16 anos, disse ao Expresso numa entrevista telefónica que Palin é uma das mulheres mais teimosas que conheceu até hoje: “Se decide uma coisa, é absolutamente inabalável. O pai dela, que dava aulas ao meu filho, diz o mesmo sobre a filha: ela é inabalável”.

Kilkenny, que trata Sarah e os pais dela pelo primeiro nome, diz: “Conheço-a muito bem. Não estou interessada em destruir-lhe a carreira política, só quero ser uma boa cidadã e informar as pessoas sobre quem ela é. É determinada, implacável, ambiciosa, enérgica e trabalhadora. Diria que ela tem coragem e determinação. Se precisam dessas coisas na Casa Branca, ela tem-nas. Nunca a vi ir-se abaixo. Mas não votarei nela por duas razões: tem um currículo tão fino como uma fatia de fiambre – não acho que esteja preparada para ser presidente. E não concordo com ela no plano filosófico. É socialmente conservadora. Quer proibir o aborto, ensinar o criacionismo nas escolas, é a favor da posse de armas e quer exercer censura sobre os livros das bibliotecas”.

Kilkenny diz que Palin “é como a rapariga mais popular do liceu, o que não é necessariamente uma coisa boa: és o sol e toda a gente quer estar em órbita apertada”.

Às três da madrugada

O pai acordava-a por volta da 3h para irem pescar salmão, caçar alces e fazer corridas de dez quilómetros. Foi esta prática atlética, combinada com a sua beleza, que lhe deu a confiança que exibe. Foi também chefe da Irmandade de Atletas Cristãos e liderou a sua equipa nas orações.

Continua a gostar de caçar animais grandes, sabe esfolar e fazer hambúrgueres de alce, correu uma maratona e deu à luz cinco filhos, incluindo o pequeno Trig, nascido há 5 meses com a síndrome de Down. Escondeu a sua gravidez da maioria dos membros da família e dos amigos até ao 6º mês. Estava no Texas quando começou a perder líquido amniótico. Recusou-se a dar aí à luz, meteu-se num avião para o Alasca sem informar a companhia de aviação que estava em trabalho de parto e sem mostrar qualquer sinal de dor. Deu à luz depois de quase 24 horas de viagem.

É cristã evangélica. Acredita que a invasão americana do Iraque foi ordenada por Deus e que a teoria do criacionismo deveria ser ensinada na escola em vez da teoria da evolução.

Em 2003 foi nomeada para a Comissão do Petróleo e do Gás do Alasca. Demitiu-se em 2004 e apresentou queixa por falta de ética dos seus colegas republicanos no conselho de administração. Foi este gesto que lhe criou fama e lhe permitiu candidatar-se a governadora em 2006 como uma reformista defensora de um “governo limpo”.

OS RUMORES DE PALIN

– Cometeu adultério, segundo o tablóide ‘National Enquirer’

– Está sob investigação de uma comissão bipartidária por abuso de poder

– Enganou toda a gente ao fingir que Trig, um bebé de 5 meses, é seu filho – a mãe será a sua filha Bristol, de 17 anos

– Quis despedir uma bibliotecária porque esta se recusou a retirar da biblioteca pública livros classificados de “inapropriados”

– Palin é uma fundamentalista cristã, que considera que a guerra do Iraque obedeceu a “um plano de Deus”

Biografia

1964 – Nasce em Sandpoint, Idaho. Muda-se para o Alasca

1984 – Fica em 2º lugar no concurso Miss Alasca

1987 – Licencia-se em Jornalismo, na Universidade de Idaho

1988 – Torna-se repórter televisiva

1988 – Foge de casa com o noivo, com quem namorava desde os bancos da escola

1989 – Nasce o primeiro dos seus 5 filhos

1992 – Entra para o executivo municipal de Wasilla

1996 – Eleita presidente de Câmara

2006 – Eleita governadora do Alasca – a primeira mulher a ocupar este cargo.

DESAFIO: Será que ela consegue estar à altura?

Nove vice-presidentes já tiveram de ocupar a Sala Oval no seguimento da morte ou resignação de um Presidente; três depois da Segunda Guerra Mundial. John McCain tem 72 anos e já fez três operações a um melanoma. Não é improvável que Sarah Palin venha a ter de o substituir. Perguntámos ao destacado senador republicano Trent Lott se ela poderá estar à altura.

“A governadora Sarah Palin provou que tem ambição, força e inteligência para alcançar uma posição de destaque na política nacional. Com o discurso que fez, provou que tem coragem, personalidade e capacidade de liderança para ocupar essa posição. Um dos nossos Presidentes mais bem sucedidos foi um democrata de uma cidade pequena, Harry Truman, que foi forçado a ocupar o lugar depois da morte de FDR – Franklin Delano Roosevelt. Que experiência tinha? A de dirigir uma camisaria. Claro que ela estará à altura”.

O vice-presidente Lyndon Johnson, que se tornou Presidente quando John F. Kennedy foi assassinado, não tinha experiência a não ser como político, contudo teve uma das mais bem sucedidas legislaturas de toda a história norte-americana.

BLOGUES: O triunfo do rumor sobre o facto

Imperceptível para a maioria dos delegados, perto do tecto do Xcel Center encontra-se a Ala dos Bloguistas. Foram concedidas pela campanha McCain credenciais de imprensa a mais de 100 bloguistas. Na semana passada havia ainda mais bloguistas registados na convenção dos democratas. É um sinal de como os “novos “media”” estão a suplantar os velhos. Falámos com Sean Quinn, co-fundador do popular blogue político fivethirtyeight.com. “Se a blogosfera é uma selva? Pode apostar que sim. Mas também funciona. Na semana passada foi um blogue, ‘The Daily Kos’, que suscitou o caso das gravidezes na família Palin.

A história, como contada a princípio, era completamente falsa, mas forçou a campanha McCain a reagir de imediato e revelar uma verdade diferente, que pode ter impacto nesta eleição. Os meios de informação tradicionais acobardaram-se. Mas a blogosfera não teve tais escrúpulos”.

“Tenho a maior simpatia por vocês”, continuou Quinn. “Quase 3500 jornalistas e operadores dos meios de comunicação perderam o emprego nos últimos 6 meses deste ano”.

Artigo publicado na edição impressa do Expresso do dia 6 de Setembro de 2008, 1º Caderno, página 38

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