Subitamente, como numa reviravolta vingativa de um filme barato, o capitalismo passou a ser o mau da fita. Há uma crise e há culpas. Foi de não haver regulação, dizem.
Eu concordo inteiramente com a ideia de que é necessária regulação do mercado (na verdade, até Bush começa a perceber que não há outra hipótese) e penso que o mercado, por si só, embora tendendo para se auto-regular pode conduzir a situações indesejáveis e insustentáveis. Mas, embora não negue a necessidade de certa intervenção do Estado, desconfio profundamente dos que passam a vida a pedi-la e não vivem sem ela.
Vamos a factos. O capitalismo, com mais ou menos crises, representou um enorme avanço civilizacional na autonomia e liberdades individuais. Essa pulsão, que vem desde o Renascimento, mantém-se ainda hoje. As sociedades mais livres, onde o homem consegue maiores realizações pessoais, artísticas e empreendedoras, são capitalistas.
As alternativas ensaiadas a este modelo resultaram ou em anarquias improdutivas (recorde-se Robert Owen e a sua experiência em New Harmony) ou – o que foi mais frequente – em ditaduras ferozes, apenas capazes de distribuir riqueza pelas suas próprias oligarquias. Hoje em dia, o capitalismo funciona em todo o mundo e, se nos EUA e na Europa sofre uma crise, continua vigoroso, por ora, na China, na Venezuela ou em Angola. Nesses países em que o Estado intervém de forma total na economia e mesmo nos mercados financeiros, a distribuição da riqueza resume-se aos aliados, amigos e afilhados dos respectivos regimes.
O que falhou, então, no nosso capitalismo? A resposta deu-a em parte Miguel Sousa Tavares na sua crónica da semana passada: falhou a ética e abundou a ganância e o crime económico.
O capitalismo pode funcionar com mais ou menos intervenção estatal, mas regula mal, é totalmente pérfido se não estiver associado àquela ética estrita de que falava Max Weber em ‘A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo’.
Nesse aspecto, não foi preciso vir a esquerda alertar para os danos do capitalismo – a Igreja Católica andava a pregar isso mesmo há anos.
Não foi o mercado em si, nem tão pouco a ausência de reguladores que provocou esta crise. Foi a falta de senso e a cobiça extrema. Ora, estes são males que não são específicos do capitalismo, mas do género humano. A crise resulta, de facto, de uma maneira de ver e de uma organização social. Mas, infelizmente para certa esquerda, não se compõe com as suas receitas.
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