Bush: MissionAccomplished

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Foto: Presidência dos EUA

Bush a bordo de porta-avião em maio de 2003, quando declarou “missão cumprida” no Iraque; o país árabe vive em meio ao caos até hoje

Bush a bordo de porta-avião em 2003, quando declarou “missão cumprida” no Iraque; o país árabe vive em meio ao caos até hoje

Bush: missão cumprida

WASHINGTON – Entre a eleição americana em 4 de novembro e a posse do novo presidente, o mundo ainda terá 77 dias de George W. Bush.

Felizmente, Bush não vai escapar tão fácil da História: no mundo das imagens, ou da “indústria cultural”, como inventaram Horkheimer e Adorno, Bush acaba de ser escancarado para o grande público no ótimo “W.”, novo filme do diretor Oliver Stone (“JFK”, “Doors”, entre outros). Com uma espetacular e comovente atuação de Josh Brolin no papel do presidente.

Mesmo sem ser antipático a Bush (ao contrário), o filme acaba funcionando como mais um prego no caixão do presidente e de sua família, há 200 anos ciscando ao redor do poder nos EUA.

É também um tapa na cara dos americanos que o elegeram duas vezes. Na segunda, por sinal, Bush e os republicanos tiveram uma vitória completa em 2004: no voto popular, no Colégio Eleitoral, na Câmara e no Senado e na maioria dos Estados.

Entre a reeleição de Bush e o final de seu segundo termo agora, os EUA passaram do auge do unilateralismo, da arrogância e do uso da força para um apelo para a cooperação internacional sem precedentes. Se países falissem, a América de Bush seria o mais espetacular caso de quebra da história contemporânea.

Em quatro anos, a sorte dos EUA e de Bush mudaram da água para o vinho, com forte impulso negativo dado pelo comando presidencial e seu pequeno e obtuso núcleo de poder.

Em 2003 e 2004, tive o privilégio de acompanhar em Washington tanto os fatos que precederam a Guerra do Iraque quanto, mais à frente, a reeleição de Bush.

Os EUA eram outro país. Os grandes jornais acreditavam piamente em quase tudo o que o presidente dizia. As pessoas estocavam água, alimentos e pilhas em suas casas a cada sinal de uma nova catástrofe terrorista. O Patriot Act permitia o monitoramento de milhões de telefonemas entre americanos comuns, e o governo enchia a atmosfera com o mais potente medo que pudesse criar.

Assim Bush se reelegeu, ludibriando os fáceis de ludibriar norte-americanos médios com histórias de terror.

O filme de Stone é apenas um sinal do fim melancólico da era Bush. Os então todo-poderosos assessores do presidente –com poder para gravar, interrogar e prender– são agora expostos de forma inimaginável há quatro anos. A ponto de o principal jornal gay (e gratuito) de Washington, “Blade”, questionar em manchete nesta semana: “Is Condie Gay”, em referência à nada menos que a secretária de Estado dos EUA, Condollezza Rice –solteirona assumida como o nosso prefeito Kassab.

Os anos Bush também deixaram que uma indelével rachadura aparecesse na maior economia do mundo. Descobriu-se que os EUA mal teriam crescido nos últimos cinco anos não fosse a propulsão do consumo. Surpresa: ele era financiado por créditos sem lastro que giravam no vazio. O país está quebrado.

A nação mais rica(?) e militarmente poderosa está de calças curtas ao final do reinado de Bush. Mesmo a solução mais coerente para a atual crise –injetar capitais diretamente nos bancos– partiu de além-mar, do Reino Unido, e foi replicada nos EUA. É tudo incrível.

Mas, por mais extraordinário que pareça, com sua arrogância e ignorância, Bush talvez tenha prestado um imenso serviço.

Se os EUA crescerem muito próximo de zero nos próximos dois ou três anos, o que é muito possível, o tamanho da economia chinesa terá passado de 1/3 da americana para mais da metade. Outros vários emergentes também ganharão nacos maiores nessa participação global. Ao menos em termos econômicos, o mundo será outro.

Esse talvez seja o principal legado de Bush.

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