Obama and the “Era of Responsibility”

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Obama e a ‘Era da Responsabilidade’

de Washington

Logo depois de chegar aos EUA, em 1969, Cristopher Hammer, hoje com 66 anos, ganhou o apelido de “black jew” (judeu negro). Era assim que os americanos nativos se referiam aos recém chegados imigrantes negros, assim como ele.

O “judeu” era uma maneira preconceituosa dos norte-americanos de indicar que Cristopher e outros imigrantes eram conservadores e muitas vezes avarentos em suas decisões financeiras, um resquício dos tempos difíceis que esses imigrantes viveram antes de chegar à América.

Os americanos, ao contrário, estavam acostumados a dívidas e à rolagem das respectivas quando a coisa apertava. Viviam como a cigarra, mas falavam mal das formigas.

“Com o tempo, também virei um grande gastador, e me endividei como muitos norte-americanos. Agora, aquela expressão que tanto me ofendia traz até uma ponta de orgulho. Quero voltar a ser um ‘black jew’ daqui em diante”, disse Cristopher no Washington Mall, no dia da posse do presidente Barack Obama.

Minutos depois, em seu discurso de posse, Obama afirmou que os EUA precisam entrar em um novo momento. Em um espírito que foi interpretado como “Era da Responsabilidade”, onde não se deve adiar ou deixar de enfrentar decisões difíceis.

O mais doloroso dos desafios que os EUA têm pela frente é um ajuste profundo a ser feito no endividamento das famílias. Juntos, os norte-americanos devem hoje cerca de US$ 20 trilhões em dívidas imobiliárias, de consumo e outras, como créditos à educação de seus filhos.

O valor é uma enormidade: se dividida igualmente entre cada um dos 300 milhões de norte-americanos, levando em conta até os bebezinhos que não sabem nem andar (quanto mais usar um cartão de crédito), a dívida é de US$ 66.600 per capita (R$ 154 mil por cabeça).

Não é à toa que os EUA cresceram tanto nos últimos cinco anos, impulsionados pela concessão irresponsável de crédito por parte dos bancos. Também não admira que esses mesmos bancos agora quebrem em efeito dominó e precisem de ajuda estatal para continuar de pé. As garantias que eles exigiam nas concessões de empréstimos, e o rigor na avaliação dos tomadores, eram totalmente frouxos.

Vinda de Detroit para a posse, a aeromoça da United Airlines Laurie Taylor também diz não ter “nenhum centavo de poupança e um monte de dívidas”. Ela é também um exemplo acabado de como a “bolha” imobiliária inflou até explodir.

Endividada “até o pescoço”, Laurie comprou quatro imóveis entre 2004 e 2008. Pelo primeiro, tomou um financiamento de US$ 150 mil. Hoje, com o estouro da “bolha”, ele vale US$ 20 mil. Pelo último, comprado em 2008, também financiado, pagou US$ 20 mil (há quatro anos, valia US$ 150 mil).

“Agora não sei o que fazer. Não encontro pessoas dispostas a alugar duas das casas, que estão vazias e pendentes de pagamento para os bancos”, diz.

É lógico que não podiam acabar bem histórias como a de Laurie, já que não parece razoável que uma simples aeromoça, em um mercado que vem capengando há anos, como o da aviação comercial, tenha encontrado bancos suficientemente impetuosos para lhe fornecer não apenas um, mas quatro financiamentos para comprar quatro imóveis diferentes.

O problema da “Era da Responsabilidade” financeira de Obama é que, seguida à risca, ela tenderá a deprimir ainda mais a atividade econômica, alimentando o ciclo vicioso de menos consumo e crédito, mais desemprego e menos consumo que se instalou na maior economia do mundo.

Talvez seja apenas coincidência, mas a Bolsa de Nova York teve ontem a maior queda da história em um dia de posse presidencial nos EUA. Caiu 4%.

Na posse de Obama, Washington viveu seu grande dia de “Roma moderna”. Um tanto decadente, é verdade. Mas a multidão que foi saudar Barack Obama com entusiasmo e os interminaveis desfiles que o pobre presidente suportou não diferiam do que vemos nos filmes de época dos grandes imperadores e reis.

A posse de Obama só mostrou mais uma vez que o espírito humano não muda. É ingênuo e crédulo por natureza em qualquer “salvador da pátria” que se apresente com um verniz mais brilhante e cercado de boas intenções.

OK, Obama é jovem, sereno e inteligente –e substitui Bush, o que já é grande coisa. É também o primeiro negro a ocupar o cargo, e isso merece comemoração, especialmente da maioria negra (foi essa a impressão) que foi ao Washington Mall homenagea-lo.

Mas quando as expectativas são tão imensas, a decepção pode ser ainda maior.

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