O presidente Obama e o paradoxo Johnson
Alexandre Barros
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A agenda de Barack Obama é global e complexa: uma enorme crise econômica, políticas domésticas que muitos temem ser redistributivistas, mudar muitos pontos da política externa de George W. Bush e solucionar duas guerras externas. Sua situação se parece muito com a de Lyndon Johnson quando tomou posse para seu primeiro mandato integral como presidente eleito (20 de janeiro de 1965). Sua agenda era a “Grande Sociedade”. Enviou mais de cem projetos ao Congresso sobre direitos civis e implementou o direito de voto para os negros (que tornou possível a eleição de Obama 43 anos depois).
Apesar da agenda e da vitória sobre o republicano Barry Goldwater (a maior lavagem democrata desde 1820 – 61% do voto popular e votos de 44 dos 50 Estados no colégio eleitoral), Johnson não conseguiu escapulir das escaramuças burocráticas montadas ao seu redor. Foi burocraticamente afastado, cada vez mais, de sua agenda. Ficou famoso pela desastrosa escalada da guerra no Vietnã.
Apesar de querer implementar suas políticas, foi engolfado (sem trocadilho com o incidente do Golfo de Tonquim) por burocratas que defendiam acirradamente o ponto de vista de suas burocracias (muito bem analisada por Graham Allison em seu livro sobre a crise dos mísseis de Cuba, A Essência da Decisão). Terminou mandando meio milhão de soldados (mais de 50 mil morreram, além de 2 milhões de vietnamitas) para uma guerra distante, baseada em premissas falsas.
Foi vítima dos burocratas, mais interessados em preservar seu poder, que traziam argumentos absurdos para a mesa de discussões. Acabou num beco sem saída. Em 1968 desistiu da candidatura à reeleição, confuso por seu fracasso impulsionado por interesses burocráticos belicistas. Morreu amargurado, em 1973, porque todo o crédito dos direitos civis acabou dado a John Kennedy.
Obama moveu-se rápida e competentemente nos dias seguintes à vitória e à posse. Ocupou todos os espaços vazios para evitar um vácuo de poder perigosamente provável no melancólico fim do governo de Bush.
Curioso como é fácil um presidente cair num emaranhado burocrático: a primeira reunião formal de Obama com burocratas, realizada nos escritórios do FBI em Chicago, na sexta-feira, 6 de novembro, foi com… os órgãos de segurança. Isso no meio da mais séria crise econômica mundial desde 1929. A reunião não foi coincidência. Ela reflete a força da burocracia da segurança para capturar imediatamente as prioridades do novo presidente, antes mesmo que ele pudesse preocupar-se oficialmente com a crise econômica.
Focar a atenção do presidente eleito em problemas de política externa facilita as coisas, porque atores internacionais são, em princípio, competidores ou inimigos potenciais e não votam nas eleições norte-americanas. As burocracias da segurança nacional sabem ser muito mais fácil capturar a atenção e a anuência de um presidente novo se o foco for em grupos que não têm poder para negar-lhe uma reeleição em 2012.
Bush queria o muro na fronteira mexicana terminado antes de 20 de janeiro de 2009, porque sabia haver uma alta probabilidade de que Obama fosse obrigado, pelo menos, a interromper a sua construção por causa dos eleitores ligados ao México e à América Central.
A lógica da saída do Iraque é muito próxima da lógica da saída do Vietnã. Os EUA, mesmo amargando uma guerra paralisada por um impasse, têm de sair de uma maneira que passe por honrada.
As fotos da decolagem do último helicóptero que saiu da embaixada norte-americana em Saigon deixam dramaticamente claro qual foi o fim da Guerra do Vietnã. Boa parte dos americanos ainda crê, ambiguamente, que os EUA ganharam essa guerra.
Há grande probabilidade de Obama e seus assessores próximos serem empurrados para concessões burocráticas na política externa, exatamente como Johnson. A revista inglesa The Economist exibiu na internet um mapa interativo mostrando as preferências por Obama em quase todos os países. Mas estrangeiros não vão a comícios nos EUA nem lá votam.
Sabedores disso, setores burocráticos da inteligência americana (que têm a vantagem de poder operar em segredo e gozar de imunidade eleitoral) rapidamente se moveram para capturar as atenções do presidente eleito.
As notícias imediatamente anteriores e posteriores à eleição e à posse de Obama mostraram a preocupação das agências encarregadas da segurança nacional com o alegado tamanho e a durabilidade das ameaças representadas por muitos dos detidos em Guantánamo. A importância simbólica de fechar Guantánamo, para a imagem norte-americana no mundo, tornou este um dos pontos mais fáceis a respeito do qual Obama pode agir autonomamente. Boa parte de seus conselheiros não ligados à segurança confiaram que este era um dos flancos mais fáceis para obter uma vitória mundialmente marcante.
Outros, que envolvem verbas maiores e maior comprometimento de grandes burocracias, tenderão a ter sua implementação reduzida por inércia burocrática.
Talvez Obama (que, afinal, teve uma vitória de apenas 6% dos votos populares e não obteve maioria dos votos de eleitores brancos) se veja forçado a dar menos atenção aos assuntos internacionais se quiser salvar seu governo (e sua eventual reeleição) e focar mais em assuntos domésticos, tentando escapar do paradoxo Johnson.
Johnson terminou impopular, derrotado, dentro da Casa Branca, por uma impiedosa guerra burocrática partida de seus aliados e assessores, apesar de ter iniciado seu governo com uma agenda popular e socialmente justa.
Tomara que Obama tenha boa memória, leitura de bons livros de história e muita resistência para implementar a agenda para a qual foi eleito.
Alexandre Barros, Ph.D. em Ciência Política pela University of Chicago, é pró-reitor do Centro Universitário Unieuro (Brasília)
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