Obama Faces Neo-liberal Hegemony

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Finalmente, passados oito meses da explosão da crise financeira mundial, medidas concretas foram propostas e estão em via de efetivação, tanto pelo governo Barack Obama como pela União Europeia (UE), visando a restaurar o controle estatal e comunitário sobre a emissão e a circulação de produtos financeiros. É, com efeito, inacreditável que os US$ 680 trilhões de derivativos relacionados no início deste ano pelo Council on Foreign Relations continuem fora de qualquer controle governamental dos países centrais.

Assim é que o governo Obama propõe a ampliação da competência regulatória do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), que passa a fiscalizar qualquer instituição financeira cuja atuação possa pôr em risco a estabilidade do mercado financeiro. Já a UE propõe a criação de instituições regulatórias supranacionais de fiscalização do risco sistêmico oriundo das transações promovidas pelas instituições financeiras.

Tais medidas visam a corrigir vácuos regulatórios nas jurisdições dos países onde a crise se originou. Trata-se de uma nova fase do capitalismo financeiro, em que não mais prevalecerá a absoluta hegemonia do regime neoliberal.

A esta altura, cabe fazer algumas considerações do que vem a ser o regime neoliberal. Diferentemente do liberalismo clássico, que não pressupunha a intervenção maciça de recursos do Estado em momentos de crise, como, de fato, não ocorreu na crise de 1929, o neoliberalismo demanda essa derrama de trilhões de dólares e de euros dos contribuintes para atender pura e simplesmente à sua própria racionalidade, sem, no entanto, admitir nenhuma alteração no dogma do “Estado mínimo”. Quando o Estado não cobre o prejuízo, a devastação sistêmica ocorre. É o caso da quebra do Lehman Brothers.

No contexto neoliberal, ao Estado é atribuído o papel de garantidor do mercado em última instância, como lembra Kindleberger. Essa atuação supridora de recursos governamentais nas crises financeiras tem um efeito perverso (moral hazard): os agentes financeiros agem de maneira pouco cuidadosa e menos informada, pois sabem que o Estado estará sempre a postos para garantir o mercado nas situações de crise sistêmica.

O neoliberalismo atribui ao mercado financeiro características quase “divinas”, que se combinam com a revolução tecnológica e sua engenharia financeira. O mercado passou a ser imaterial, imediato e planetário. Desencadeou-se a crença num crescimento permanente, que levou à ideia do fim da História Econômica. A teologia do neoliberalismo, propugnando pelo “fim da História” (Fukuyama), afirma que a economia mundial não conhece mais o regime dos ciclos. E não é mais submetida a mutações no tempo graças aos ganhos de produtividade trazidos constantemente pelas novas tecnologias, acrescidos da erradicação da inflação e da entrada em cena dos grandes países emergentes com seus milhões de novos consumidores. Esse pensamento neoliberal do “fim da História” culmina por afirmar que a economia mundial está vocacionada a uma expansão contínua e infinita, sem maiores sobressaltos. É a pátria financeira, abrangendo todos os povos, todas as mentes e os corações de todos os indivíduos.

Como lembra Zygmunt Bauman, em Globalização – As Consequências Humanas, “a economia é progressivamente isenta do controle político; o significado primordial do termo ?economia? é o de ser uma ?área não política?”. Essa hegemonia do setor econômico sobre o político, como é sabido, passou a ser difundida pelos governos de Thatcher e de Reagan na década de 1980, com os slogans da “guerra às regulações” e “o governo não é a solução para os problemas”.

Em artigo recente, Paul Krugman diz que foi a partir desse período que a atual crise passou a tomar forma. Ao sancionar o Garn-St. Germain Depository Institutions Act, Reagan libertou a “magia demoníaca” do mercado norte-americano: a economia dos EUA não necessitava de poupadores, mas apenas de agentes econômicos permanentemente endividados. E fez crer, com essa regulação “desregulamentadora”, que as instituições financeiras daquele país poderiam viver assim por longo tempo: oferecendo crédito farto e barato aos contribuintes e, em troca, apostando o dinheiro da poupança pública no cassino mundial.

A grave crise do neoliberalismo possibilita a reflexão sobre a reinserção da ação política estatal como um dos fatores determinantes das atividades econômicas, não prevalecendo mais o culto do mercado, como “ser supremo”, pregado pela teologia neoliberal. A restauração de um Estado regulatório, em contraposição ao Estado neoliberal – modelo do Consenso de Washington -, torna-se relevante. Ele está essencialmente fundado na estrutura proposta por Montesquieu de freios e contrapesos, com uma nítida limitação de poderes entre a política e a economia. Parte-se do pressuposto de que todo poder tende naturalmente a não se autolimitar e somente uma força pode limitar outra força.

O Estado neoliberal, com seu poder de autorregulação, é o extremo oposto do equilíbrio entre Poderes, próprio do regime democrático. A política passou a ser mero instrumento de viabilização da hegemonia do mercado. Além disso, o regime neoliberal atua de modo a promover a eficiência dos mercados como um fim em si próprio. O Estado, por sua vez, deverá novamente atuar como firme agente regulador para promover essa eficiência mercadológica como meio – e não o único meio – de se alcançar o bem-estar social.

Daí a necessidade de se reinstituir, efetivamente, o Estado regulatório, que não deve ser confundido com o Estado intervencionista. Contudo a sua concretização ainda está ameaçada. A ruptura da hegemonia neoliberal dependerá de uma clara conduta política por parte dos governantes, como agora se vê das iniciativas do governo Obama e da UE.

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