Canibais em Wall Street
NOVA YORK – Há algo de sinistro na forte recuperação do principal mercado acionário do mundo, concentrado na Bolsa de Valores de Nova York, e na comemoração dos que veem nisso um bom sinal.
As forças que atualmente jogam os preços das ações para cima, produzindo valorização de mais de 50% desde março, são deletérias. E parecem não ter como sustentar uma recuperação sadia de lucros e resultados –que, no fim das contas, justificariam a alta do mercado.
São dois os principais vetores que levaram o índice Dow Jones a ultrapassar a barreira de 10 mil pontos na semana passada, algo que não se via há mais de um ano.
1) Gastos brutais e endividamento recorde do governo dos EUA e; 2) Cortes profundos e abruptos em empregos, salários e investimentos no setor privado.
No primeiro caso, o endividamento favoreceu mais os bancos, que puxaram a alta da Bolsa no segundo trimestre (abril a junho).
O Fed (o BC dos EUA) garantiu em 100% e a custo quase zero emissões de títulos dos bancos. Esse dinheiro barato e livre de qualquer risco foi emprestado a empresas e a consumidores a taxas elevadas, proporcionando forte retorno aos bancos.
Instituições como JP Morgan Chase e Goldman Sachs também vêm ganhando fortunas aplicando o dinheiro barato do Fed em ações e títulos em vários mercados, inclusive em países emergentes como o do Brasil.
Em resumo, a ironia é que o governo e os contribuintes norte-americanos subsidiam esses ganhos, proporcionando aos bancos um dinheiro barato que eles jamais teriam à mão não fosse a crise.
O outro lado dessa moeda é o endividamento público. O déficit fiscal dos EUA bateu em US$ 1,4 trilhão e, proporcionalmente ao PIB, já equivale a 10% –o maior patamar desde 1945.
Mas, se por um lado os bancos e o setor não-financeiro (que também emitiu títulos garantidos pelo Fed) ganham às custas do governo, eles pouco vêm contribuindo para diminuir as aflições dos que, em última instância, vão pagar a conta: os trabalhadores.
Na safra de balanços do terceiro trimestre (julho a setembro) das empresas não-financeiras está claríssimo que a maior parte do lucro têm uma só origem: cortes (de empregos, rendimentos e investimentos).
Ao ter menos despesas fixas e gastos futuros, essas companhias apresentam lucros maiores proporcionalmente ao faturamento, remunerando mais os acionistas e puxando o valor de suas ações para cima. Mas isso tem limite e não há como continuar indefinidamente.
Mais de sete milhões de pessoas perderam seus empregos na atual recessão nos EUA, onde as empresas cortaram 45% mais vagas do que as companhias europeias. Não é por outro motivo que o mercado não se valorizou tanto na Europa.
É como se Wall Street canibalizasse o resto da economia e as finanças públicas atrás de ganhos a qualquer preço. Espremendo lucros maiores de um setor privado cada vez menor e de um Estado agora afundado em dívidas.
Isso não parece bom sinal de nada.
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