Torturing Numbers

<--

NOVA YORK – A economia dos EUA terminou 2009 com a pior contração desde 1946, ao final da Segunda Guerra.

Mas, no último trimestre do mesmo horrível 2009, ela cresceu a uma taxa anualizada de 5,7%.

Ou seja: se pudesse manter o ritmo da recuperação vista entre outubro e dezembro passados, os EUA estariam crescendo a um ritmo excepcional, intenso. E arquivaria, na empoeirada prateleira da história, a Grande Recessão.

Mas não é assim. Números bem torturados dizem qualquer coisa.

Na metodologia de cálculo do PIB norte-americano, o Departamento do Comércio coloca um peso específico bastante adequado na recuperação dos estoques das empresas. Ou seja, há uma influência importante na apuração do PIB no que se refere ao que as empresas guardam em seus armazéns em produtos acabados.

Em um período altamente imprevisível, como nos 12 meses que antecederam setembro de 2009, essas empresas reduziram ao máximo o volume de estoques, em todos os setores. Na época, ‘cash was king’. Ninguém queria ter no armazém produtos que poucos estavam dispostos a comprar. O melhor era ter dinheiro (e quanto mais, melhor) à mão para eventualidades em um momento de montanha russa nos mercados e na economia.

Se retirarmos do cálculo do PIB dos EUA essa recomposição dos estoques (que nada tem a ver com o consumo final as famílias), o PIB do país cresceu apenas 2,3% em termos anualizados no último trimestre de 2009. É um resultado pequeno após 12 meses anteriores à beira de uma depressão econômica.

O consumo das famílias nos EUA responde por 70% do crescimento do PIB. Sem pessoas saindo para gastar, o país não cresce. E isso não está acontecendo.

No mesmo último trimestre do ano passado, o consumo das famílias cresceu a um ritmo anualizado de apenas 2%. Foi menor até do que nos três meses anteriores (2,8%).

A poupança dessas mesmas famílias também segue aumentando (está em quase 5% da renda disponível, mais que o dobro em relação ao início da crise). Temendo o desemprego (em 10%) e o despejo por falta de pagamento de prestações imobiliárias, as famílias mantêm o pé no freio no que se refere a gastos.

Sem as famílias gastando e as empresas finalizando a recomposição de estoques, esse fator não influenciará mais tanto no crescimento daqui em diante. Os 5,7% do final do ano ficarão definitivamente para trás.

Como agravante, o setor público, que vinha segurando a peteca econômica com gastos bilionários até o final de 2009, está sendo obrigado politicamente a cortar despesas.

Barack Obama sofre forte pressão nesse sentido. ‘As famílias estão apertando os cintos e tomando decisões difíceis. O governo deve fazer o mesmo’, declarou na semana passada o presidente, que enfrenta eleições legislativas no final do ano (onde pode perder a maioria no Senado e Câmara).

O mesmo ocorre nos Estados e municípios. A cidade de Nova York, por exemplo, acaba de lançar plano para economizar US$ 63 bilhões nos próximos meses. Até mesmo 1.300 policiais que deverão se aposentar neste ano (de um total de 32.817) não serão substituídos para ajudar no corte de gastos.

*

Na última quarta-feira, na vagabundagem das minhas férias, estava em um bar de Nova York almoçando as 4 da tarde quando começaram a chegar várias pessoas atrás de uma ficha para preencher. Era o que chamam de ‘open call’, quando alguns bares e restaurantes abrem vagas de trabalho. Pelo menos duas dúzias de pessoas apareceram.

Conversei com alguns. Eram desempregados de meses ou pessoas atrás de um segundo trabalho porque ou a renda não dá mais ou porque o companheiro(a) perdeu o emprego. Havia de tudo, de ex-empregados em escritórios a ex-funcionários públicos. Alguns fora do mercado há mais de seis meses.

É esse o quadro da ‘recuperação’ da maior economia do mundo. É difícil saber de onde virá o crescimento.

About this publication