The New American Palette

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No último dia 23, a governadora republicana do Arizona, Jan Brewer, promulgou uma xenófoba lei de iniciativa de seus correligionários. Ela torna a imigração ilegal crime no Estado, autoriza a polícia a exigir de quem quer que seja, a qualquer momento, documentos que atestem a sua condição e determina sumariamente a prisão dos sem-papéis. Para os críticos, o texto transforma em “estado policial” o Arizona, onde 30% dos 6,5 milhões de habitantes são hispânicos e se calcula que os indocumentados, a maioria de origem mexicana, somem 460 mil. O presidente Barack Obama disse que a lei “foi mal concebida e mal encaminhada”. O Departamento de Justiça poderá arguir a sua inconstitucionalidade.

O ultraje deu nova urgência à reforma migratória entalada no Capitólio desde os anos Bush e mantida no limbo por Obama enquanto tentava reformar o sistema de saúde pública. O caso também atraiu a atenção por surgir semanas depois da realização do Censo Decenal Americano, cujos resultados devem comprovar que se acelera o “amorenamento” do país. Calcula-se que, por força da revolução demográfica em curso, em 2040 os Estados Unidos deixarão de ser uma nação de maioria “branca de olhos azuis”, como diria o presidente Lula. Isso já é realidade no Texas, Califórnia, Havaí e Novo México. Nos dois primeiros, os latinos respondem por cerca de 60% do aumento populacional ao longo dos últimos 10 anos – e 50% no país inteiro.

Ao que se espera do Censo, tais “Estados de minoria-majoritária”, como são chamados, poderão ultrapassar uma dezena. Devido ao novo balanço demográfico, alguns deles, como o Texas e talvez a Flórida, além de 6 outros, ganharão até 4 novas cadeiras no Congresso, em detrimento de 11 Estados que perderam população, entre eles Massachusetts, Nova York e New Jersey. Impossível subestimar os efeitos políticos dessa tendência – principalmente se a ela corresponder um aumento comensurável do eleitorado hispânico. Os latinos representam 15% dos atuais 307 milhões de americanos (e serão 30% do total em 2050), mas a sua participação eleitoral nesse país de voto facultativo foi de apenas 50% no último pleito presidencial, ante 66% dos brancos.

Politicamente, são três os principais efeitos dos censos. Além de alterar a composição das bancadas na Câmara dos Representantes e no colegiado que elege o presidente da República, servem para o redesenho dos distritos eleitorais em cada Estado – ou, dizem os cínicos, para que democratas e republicanos conservem os seus respectivos redutos. Por fim, como no Brasil, é com base no Censo que o governo federal redistribui recursos aos Estados e municípios. Nas unidades onde rivalizam com a tradicional maioria branca não-hispânica, as minorias, participando mais ativamente do processo político, poderão pressionar por parcela crescente dos recursos.

No Texas, que até agora só elegeu 3 prefeitos latinos em San Antonio, a principal cidade americana onde são maioria, e que poderá eleger o seu primeiro governador hispânico em 2016, se não em 2012, as instituições públicas estaduais “foram todas criadas por anglos para anglos”, diz o sociólogo Stephen Klineberg, da Universidade Rice, em Houston. “Isso terá de mudar.” Será a “reconquista pacífica” de que falam os imigrantes mexicanos e seus descendentes, referindo-se à anexação do território, pelos Estados Unidos, em 1836.

A propósito, um levantamento do Escritório do Censo, divulgado esta semana, mostra que, no período de 27 anos terminado em 2007, a parcela da população do país que fala espanhol em casa aumentou 211% – 6 vezes mais do que no caso da língua inglesa. A hispanização dos EUA arrepia a direita americana e insufla o que já se chamou “nativismo histérico”. Isso inclui desde as ações dos vigilantes – milícias de caça a imigrantes ilegais nas regiões de fronteira com o México – à feroz legislação que acaba de ser adotada contra eles no Arizona. Ainda que todos se evaporassem, porém, a revolução demográfica prosseguiria, mudando a paleta da sociedade americana.

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