The Wonderful World of Disney

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O maravilhoso mundo Disney

Tudo o que é passado está destinado a morrer. Entregámos a chave da casa à miudagem.

Na década de 80 passei um tempo largo (e maravilhoso) nos Estados Unidos. Um dia dei por mim numa festa da Disneylândia, acompanhada por um professor de literatura em Berkeley que tinha um irmão que era ator secundário numa sitcom e que nos tinha arranjado convites. A festa era na Disneylândia, mas o que se festejava era Hollywood e Michael Jackson. A inauguração de um filme em 3D feito dirigido por Francis Ford Coppola e produzido por George Lucas. Ia jurar que Spielberg também tinha uma mãozinha. Tomorrowland foi invadida por vedetas para ver a estreia de “Captain Eo” no Teatro do Olho Mágico. “Captain Eo” era um híbrido, uma fantasia de ficção científica dobrada de musical em que Michael repelia invasores, fardado de licra e lantejoulas. O filme é considerado o primeiro filme em 4D, com efeitos especiais na sala, fumo, lasers, etc.

O meu amigo literato, que admirava muito o mano ator, estava tão contente por estar ali que a festa lhe parecia o equivalente a conhecer o velho Tolstoi, escritor favorito. Parece que o irmão tinha muito êxito com as mulheres e que a televisão tinha feito dele uma vedeta. Vivia no terror das audiências, que fechariam a série, mas até esse dia era o homem mais feliz do mundo. Fiquei à espera de conhecer Adónis e apareceu-me um sujeito barrigudo, de cabelo branco e um sorriso bondoso, que dizia piadas. Definhara anos como comediante sem sucesso e a TV era uma fada que dava tudo o que desejava: fama e dinheiro. Acho que até aí nunca me tinha dado conta da importância da fantasia e da indústria do entretenimento naquela terra. Quando disse ao meu amigo que achava o irmão fisicamente banal para tanto sucesso, ele respondeu: não é gay. Aqui, os homens bonitos são gay. E nos bares da praia de Malibu isto soava verdade.

Nessa tarde na Disneylândia pude finalmente ver a cores e ao vivo todo o mundo e ninguém. Tenho fotografias em que apareço na bicha para o Olho Mágico a dois passos de Jack Nicholson e Angelica Huston (fazia de vilã no filme), dos atores das séries “Dallas” e “Fame” (as que estavam a dar), de Spielberg e de Lucas. E de Isabelle Huppert, a viver em Hollywood na época. A festa era restrita e o mano comediante estava mais embasbacado do que eu. O filme era um bocado indigente, uma encomenda a Coppola, e toda a intensidade do momento se concentrava numa pergunta: onde estava Michael? Ia aparecer? Era como se o mundo estivesse suspenso deste mistério. Acho que até o impenetrável Nicholson estava pendente disto. Andámos por ali a balbuciar as idiotices da praxe, olha o fulano daquele filme, esta é muito mais baixa do que parece na tela, etc., e ficámos todos órfãos de celebridade quando se soube que Michael não vinha. Com os manos, e a namorada do comediante, uma loira local, fomos consolar-nos comendo hambúrgueres e doces no resto da Disneylândia. Andámos em todos os carrosséis como se tivéssemos 15 anos. Percebi que a América e a cultura infantil e adolescente são inseparáveis.

O poder de Michael Jackson era esse, o do adulto que nunca saiu da adolescência. Peter Pan. E o poder da miudagem do Google, do Facebook, do YouTube e do Twitter é este, o poder de uma cultura poderosamente imatura e criativa, alimentada a hormonas, dotada de inteligência, intensidade emocional e imaturidade intelectual. É o mundo Disney, criado pelo visionário Walt, a que se seguiu o mundo MTV. Lady Gaga, uma cabotina que faz Jackson parecer um génio, é o último avatar desta cultura sem memória nem história.

No “Financial Times” li uma entrevista ao criador do YouTube. A entrevista é como o “Captain Eo”, uma aventura vazia, cheia de som e fúria. Chad Hurley (nome perfeito) gosta de carros velozes e de desportos violentos, de hambúrgueres e de tecnologias. Um homem que fala como um adolescente, com gostos e atitudes de adolescente, que sonha e transforma os sonhos em empresas rentáveis. Um nerd. Como os outros e como o pai deles todos, Steve Jobs. Sendo Steven Spielberg a mãe sentimental. Hurley começou no PayPal e acabou milionário a vender YouTube à Google por 1,65 mil milhões de dólares. Anda sempre com um bloco-notas para assentar ideias que lhe vêm à cabeça e não impõe aos filhos uma disciplina porque têm tempo disso quando crescerem.

Este é o maravilhoso mundo Disney em que vivemos e esta gente, que nada de profundo tem para dizer e que é avessa ao conhecimento acumulado, apesar da inteligência, comanda o mundo. Michael Jackson foi o precursor desta cultura (que é pop) e a sua vítima. A cultura adolescente é a cultura dominante do efémero e do insubstancial. As tecnologias são desenhadas contra a duração e o tempo e tudo o que é passado, incluindo o papel, livros, jornais, etc., é considerado obsoleto e destinado a morrer. Entregámos a chave da casa à miudagem.

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