The Curse of Black Gold

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A maldição do ouro negro

No Golfo do México os americanos armam-se em vítimas e em África são o vilão.

Se a crise da mancha de petróleo no Golfo do México fosse um filme de vilões este seria o título perfeito. E se Tony Hayward, o CEO da BP, não fosse a personagem mais odiada da história, o Peter Lorre da coisa, podia ter sido um Humphrey Bogart. O pior é que Obama não suportaria ser o ator secundário. Exit Bogart, Enter Denzel Washington. Os norte-americanos gostam de viver e falar como nos filmes sempre que as câmaras estão acesas e os holofotes ligados; e esta é a explicação mais amável que se consegue para o espetáculo da audição do corado e seráfico Hayward perante uma Comissão do Congresso cheia de democratas e republicanos belicosos, ansiosos por descarregar a ira num bode expiatório. Hayward foi grelhado com os remoques, apartes, esgares e amuos mais chauvinistas de que há memória no script do drama público americano. Vendo e ouvindo a gritaria daquela gente, descobre-se que a América, quando está zangada, é muito mazinha e é capaz de fazer muitas maldades, como as crianças contrariadas.

A América quer, deseja, com voracidade imensa e parco sentido da realidade, petróleo para os seus SUV e os seus Escalades e Hummers. E quer petróleo a qualquer preço. Invadindo países do Médio Oriente, apertando ditadores ao peito, promovendo alianças espúrias, desencadeando guerrilhas “de libertação”, praticando uma política externa que torna o crude o símbolo dos interesses americanos. O Pentágono serve o petróleo, e o petróleo é a base da mais poderosa e lucrativa corporação mundial: Exxon Mobil Corporation. Sede em Irving, Texas. A par com a PetroChina, embora seja interessante imaginar o que aconteceria ao planeta se os chineses desatassem a comprar carros king size. Tudo para que o cidadão americano possa encher o seu carrão com galões de gasolina a pataco, que acaba por sair cara se pensarmos nos custos militares do produto.

No seu território, a América autorizou o offshore drilling, caso do Golfo do México, e autorizou-o a grandes profundidades submarinas. Onde o homem não chega nem pode trabalhar. Como se preparava para autorizar, caso a dupla Palin/McCain tivesse ganho, a exploração no Alasca e no Ártico. Quem foi ao Texas e à Califórnia deve ter reparado nas pequenas bombas ferrugentas de extração de petróleo no meio da rua, do campo, dos quintais das casas. Onde houver petróleo, há drilling.

Quando acontece um desastre destas dimensões, a América deixa cair a luva branca e sacode a água do capote. É compreensível que aquela gente do litoral, que vê a mancha negra e o seu modo de vida ameaçado para sempre, se sinta indignada e muito zangada com a BP. E é óbvio que a BP não teve o melhor comportamento nesta crise. Daí até aceitar a hipocrisia moral dos congressistas e da Casa Branca, aflita com os danos políticos, vai um passo que convém não dar. O que aconteceu podia acontecer, e quem autorizou a exploração devia ter moderado a ganância e ter inspecionado, regulado, vigiado, para que um desastre destes nunca pudesse acontecer. Descobriu-se que a BP não tinha um plano B. E a América tinha um plano B? Ninguém tinha um plano B. Hayward limitou-se a enunciar o óbvio: tudo falhou.

Quando ao desastre ecológico, o maior de sempre na história americana, convém recordar que no delta do Níger, nas florestas tropicais do Equador e da Indonésia, entre outros lugares, a ExxonMobil, a par com a sua colega Chevron, têm causado danos ambientais continuados a tribos e populações que vivem nas zonas da exploração, e têm provocado desastres ambientais superiores ao do Golfo do México, porque duram há mais tempo. No Equador foram despejados 18 mil milhões de galões de águas pós-residuais tóxicas na floresta, destruindo um ecossistema. Custo da limpeza depois de uma ação do Equador? 27 mil milhões. Na Indonésia, a ExxonMobil aparece envolvida em crimes ambientais e desrespeito dos direitos humanos, unindo-se a forças de segurança locais que, em conluio com autoridades corruptas, aprisionam e matam todos os que se opõem à exploração. O mesmo acontece no delta do Níger, onde a aliança entre as petrolíferas e o venal Governo nigeriano tem servido para reprimir as populações que viram o seu modo de vida afetado, a pesca, a agricultura, e subvivem no meio de labaredas e uma mancha tóxica que alastra pela paisagem. Rios negros, árvores mortas, águas, animais e pessoas envenenadas. Pobreza e destituição, porque os lucros do petróleo não alcançam as tribos. A repressão, incluindo a repressão do MEND, o grupo armado que exige a limpeza do delta e o fim da exploração, é paga em petrodólares. No Golfo do México, os congressistas clamam por vingança e armam-se em vítimas. Em África e no resto do mundo, apoiam o invisível vilão.

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