Collateral Murder

<--

O título em inglês faz referência ao vídeo de 40 minutos que narra a horrpiliante execução de mais de 15 civis iraquianos pela tripulação de um helicóptero americano em Bagdá. Quem procurar no YouTube poderá ve-lo no site Wikileaks em duas versões, a compacta e a completa. Quando recebi esse vídeo, há uns três meses, fiquei estarrecido com as cenas. Hoje, com os ventos da era Obama soprando as cinzas da Pax Americana de Bush, acompanhar uma demonstração de selvageria, indiferença com o próximo e brutalidade como essa é algo de impressionar. Como também foi a decisão do comando do exército americano de punir o autor do vazamento para a imprensa e não os oficiais que praticaram tais atos. Na avaliação dos militares, quem comandou a chacina não fez nada de errado, apenas seguiu as chamadas “Rules of Engagement”. Agiram autorizados por um superior – e isso fica comprovado na cena. O que choca mais, além da impunidade da matança, é a comprovação que mesmo em um governo em tese com disposição mais democrática e menos hegemônica que o de Bush, o esprit de corps dos militares prevaleceu sobre o valor da vida iraquiana.

Dois dos mortos eram jornalistas iraquianos que estavam trabalhando para a agência Reuters. Acho até que já comentei sobre este caso aqui. Mal treinada ou obcecada por um inimigo que – tal qual no Vietnã – se confunde com a população, o comandante do helicóptero e seu artilheiro identificam um grupo de civis que conversava com a equipe como insurgentes. A câmera fotográfica é identificada como uma arma. Depois de alguma insistência, o comando dá a ordem e começa a matança. O fotógrafo da Reuters tenta escapar mas é caçado pelo artilheiro até cair morto. Já o repórter, depois de algum tempo imóvel, acorda e tenta a todo custo se levantar. Uma van que se aproxima tenta socorre-lo. Desta vez, não há nada que possa ser confundido. Duas crianças estão no banco dianteiro do veículo. Novamente o comando dá a ordem de atirar e todos são fuzilados. Guiados pelo helicóptero, jipes com marines chegam ao local para examinar os mortos. Um dos soldados descobre que uma das crianças dentro do carro ainda está vida e pede para que a levem correndo para o hospital na Zona Verde. Enquanto caminha para o seu veículo, o oficial no rádio dá ordem para que a menina seja levada a um hosital iraquiano, cuja precariedade é conhecida. Lógico, já que na base dos EUA o caso abriria uma investigaçao praticamente imediata.

A decisão do comando do exército é ruim para a imagem dos EUA de Obama. Tinha mais a ver com a figura carrancuda do vice de Bush, Dick Cheney, este sim, uma das criaturas mais sinistras que já se viu na face da terra. Pior do que punir quem evitou que aqueles quinze mortos fossem computados pelos soldados como inimigos abatidos, é ter a ideia de que tais crimes não merecem punição. As regras de engajamento em combate, ainda mais em uma situação de área civil, na qual nenhuma das pessoas enquadradas como alvo fez qualquer ameaça contra o helicóptero, não foram cumpridas. Se tivessem sido, não haveria uma fuzilaria, mas uma vigilância em cima de sinais de hostilidade. O jornalista da Reuters foi atingido quando estava falando no celular. Se ameaçava os soldados com algo, era com a sua palavra.

São casos assim que alimentam a comparação com o Vietnã. A missão no Iraque, que já era espúria antes de ser iniciada, terminou quando a tripulação executou pessoas inocentes sem uma real noção do que procurava combater. Isso é um sinal de que, como no Sudeste Asiático, as tropas de Washington continuam não conseguindo reconhecer rebeldes infiltrados entre os civis com quem convivem. E aí, todos se transformam em inimigos em potencial. E são condenados por isso. No conflito encerrado nos anos 70, os americanos deixaram a região com o gosto da primeira derrota militar de grande porte das forças de seu país. Decisões como processar quem vazou a informação só comprova que, embora tenha um discurso menos beligerante, Obama permanece reefém dos seus militares em casos dessa natureza.

About this publication