A reforma de Obama
O projeto de reforma do sistema financeiro dos Estados Unidos, aprovado na quinta-feira pelo Senado, comprova a notável capacidade do capitalismo moderno de se transformar em resposta às crises. Ao afirmar que essa é a “mais dura reforma financeira desde a Grande Depressão”, o presidente Barack Obama manifestou a sua confiança de que as medidas inovadoras adotadas para superar os abalos no sistema sejam também as bases firmes para um novo ciclo de expansão da economia.
A prática dirá. O maçudo projeto aprovado tem 2.300 páginas e sua execução imporá um pesado custo ao sistema financeiro e ao governo, que terá de contratar funcionários. O desafio dos próximos meses é saber se o fluxo de crédito poderá se fortalecer em um período relativamente curto ou se a nova regulamentação provocará uma retração dos empréstimos, atrasando a recuperação da economia. Haverá um período de transição e, como disse o senador democrata Christopher Dodd, presidente do Comitê de Bancos do Senado e coautor da reforma, “não saberemos o resultado completo do que fizemos até que as instituições sejam criadas e que as normas que propusemos sejam testadas”.
Novos mecanismos de controle foram criados, como o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira, ampliando o âmbito de ação do Federal Reserve Board (Fed), que poderá intervir em instituições financeiras, ao encontrar irregularidades, antes de decretar a sua falência. Trata-se de algo muito parecido com o poder que tem o Banco Central (BC) do Brasil de decretar intervenções extrajudiciais, mas é uma novidade nos Estados Unidos. O Fed fortalecerá ainda mais a sua estrutura, passando a contar com uma agência de proteção ao consumidor de serviços financeiros. No âmbito do Departamento do Tesouro, serão criados um Escritório Federal de Seguros e um conselho de altos funcionários para analisar os movimentos de mercado e os riscos de crise.
Essa nova estrutura está sendo criticada pela oposição republicana, como sempre avessa a medidas que interfiram na livre operação dos mercados. A controvérsia é antiga. Como se recorda, o economista Paul Volcker não foi reconduzido ao cargo de presidente do Fed em 1987 pelo ex-presidente Ronald Reagan justamente por opor-se à desregulamentação então pretendida pela Casa Branca.
Volcker, hoje conselheiro econômico da administração Obama, volta ao centro da cena. No pacote aprovado pelo Senado, talvez a medida mais importante para conter a especulação nos mercados financeiros seja a chamada cláusula Volcker, pela qual os bancos e fundos só poderão investir 3% do capital próprio em operações de hedge e de private equity (aquisição de participações ou controle de empresas para reestruturação), o que conterá rigidamente as operações com derivativos. Mas não só isso: os fundos desse tipo terão de se registrar na Comissão de Seguros e Câmbio. O ex-presidente do Fed vinha argumentando que a ação especulativa, principalmente dos fundos de hedge, foi a causa central da crise de crédito em 2008/2009.
Do lado da oposição há críticas acerbas quanto à não inclusão na reforma de medidas para controlar a atividade da Fannie Mae e da Freddy Mac ? as duas gigantescas instituições que atuam no crédito imobiliário e que funcionam sob o guarda-chuva do governo federal americano, apontadas como responsáveis pela débâcle dos empréstimos subprime, que precedeu a crise em Wall Street. A reforma dessas duas instituições foi prometida para 2011.
Não há dúvida de que a reforma financeira, junto com a reforma do sistema de saúde, duas grandes vitórias legislativas do governo Obama, serão os pontos centrais das eleições de meio de mandato, em novembro. O presidente mostrou coragem e aproveitou a maioria de seu partido no Congresso para aprovar as duas reformas. Cumpriu promessas de campanha, embora não tenha ido tão fundo quanto gostaria uma parte de seu eleitorado.
O que parece evidente é que os Estados Unidos aprenderam com a recente crise que os países que regulamentaram seus sistemas financeiros foram os que se saíram melhor. O mundo certamente mudou.
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