The West: Caught Between War and Peace

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O Ocidente entre a paz e as guerras

George W. Bush não aprendeu nada com o fracasso da América no Vietname, que no entanto marcou, negativamente, a sua geração.

Após os atentados do 11 de Setembro de 2001, que provaram a vulnerabilidade da “grande” América, que se pensava como a hiperpotência dominante do mundo, após o colapso do universo comunista, Bush ficou, num primeiro momento, desorientado. Lembro-me bem desse dia trágico. E depois reagiu como um texano agredido, com a violência máxima: “olho por olho, dente por dente”, sem sequer tentar perceber o fenómeno novo que tinha pela frente: o que depois se chamou “terrorismo global”. Declarou “guerra ao terrorismo”, sem sequer ouvir os seus aliados da “velha Europa”, a Alemanha e a França, que lhe opuseram – e bem – resistências.

Esqueceu a solidariedade que o mundo – em todos os continentes – unanimemente manifestou à América e só pensou em exercer represálias, como a superpotência militar que então era, e ainda hoje é, embora agora com o sentido de uma vulnerabilidade e dos erros colossais que, desde então, foram cometidos. Sem remédio.

Passaram quase dez anos. A primeira década do séc. XXI. O terrorismo, embora seguramente enfraquecido, não foi vencido. Longe disso, Ben Laden não se sabe onde pára nem se está vivo. Mas a Al-Qaeda actua e está presente em vários continentes, embora porventura enfraquecida.

Entretanto, o mundo mudou aceleradamente. A relação de forças modificou-se. A China tornou-se a segunda potência mundial, em competição (pacífica) com os Estados Unidos. Surgiram os países emergentes, que hoje contam muito nas relações internacionais. A ONU perdeu prestígio, sobretudo no plano moral, uma vez que não teve força para cumprir – e fazer cumprir – os objectivos do milénio. Para cúmulo da nova complexidade internacional surgiu a crise financeira e económica global que aflige, com diferentes intensidades, todos os Estados do mundo, sem ainda se perceber bem como se vai sair dela. Os demasiado optimistas que se cuidem…

A União Europeia está sem rumo e atravessa, porventura, a pior fase da sua história, que começou, como se sabe, com o Tratado de Roma, assinado em 1957, do passado século e milénio. Não há, infelizmente, dirigentes políticos e morais, na Europa de hoje, que se imponham, como no passado. É um desastre terrível, de momento irreversível. A moeda única – o euro -, uma das grandes conquistas europeias, incontestavelmente, esteve um momento em crise, ameaçando a desagregação dos 27 países europeus, apesar de só 16 Estados a terem adoptado. Contudo, o risco passou, ao que parece, graças, em parte, à China, que compreendeu que o desaparecimento do euro deixaria a sua moeda – o iene – face a face com o dólar, em competição, o que poderia desequilibrar ainda mais o sistema… Foi uma ajuda que a Europa – e em especial a Alemanha – não deve esquecer.

Em Janeiro de 2009, após a vitória eleitoral extraordinária do afro-americano, Barack Hussein Obama, tomou posse, esse fenómeno, tão invulgar e inesperado do nosso tempo, como Presidente dos Estados Unidos. Situou-se nos antípodas do seu antecessor, não só por ser democrata (e não republicano) e por ter uma visão do futuro diametralmente oposta, mas, sobretudo, por se inscrever na linha dos grandes presidentes, pioneiros da melhor história americana, como: Jefferson, Lincoln, Wilson, Franklin Roosevelt e Kennedy. Um presidente, aliás, que antes de chegar a metade do seu primeiro mandato já mereceu, da Academia Nobel, o Prémio Nobel da Paz. Com aplauso quase geral.

Simplesmente, caiu-lhe, uma vez empossado, o peso do mundo em cima. E de que maneira! A crise financeira e económica global, cujo epicentro foi precisamente Wall Street, com a ameaça de falência de grandes bancos – que foi obrigado a evitar – e todas as negociatas e escandaleiras, nos paraísos fiscais e não só, que se lhe seguiram e que, em grande parte, continuam impunes. Com a excepção paradigmática de Bernard Madoff. Conseguiu do Congresso a aprovação para uma lei, moralizadora, que ficará como um marco indelével na história americana. Como, aliás, com a Lei da Saúde. Mas o principal resta por fazer, porque a crise continua, embora, de certo modo, em lume brando. Com certos pontos nevrálgicos de natureza internacional, que necessitam de ser resolvidos.

No plano internacional, justamente, o Presidente Obama fez discursos memoráveis, notabilíssimos e, só por eles, mereceu o Prémio Nobel. Contudo, importa agora passar das palavras aos actos, embora, como diz o ditado, Roma e Pavia não se tenham feito num dia…

No Médio Oriente, o conflito israelo-palestiniano perpetua-se e continua a estar na origem e no centro de tudo. O lobby judaico americano, apesar de alguns progressos, parece não perceber que ou Israel muda de política – e negoceia a paz com a Palestina, reconhecendo-a como Estado – ou, cedo ou tarde, será esmagado pelo mundo muçulmano.

Por outro lado, a invasão do Iraque e a guerra no Afeganistão, esta com o patrocínio ilegítimo da NATO, foram dois erros colossais de Bush – ou pior, crimes – que denunciei desde o primeiro dia, com modéstia o relembro. Fi-lo, enquanto muitos outros ficaram calados, a ver em que paravam as modas. O Afeganistão ainda teve o compromisso da NATO – o que lhe vai custar muito caro – e, de certo modo, o aval da ONU. Mas nem por isso deixou de ser uma inaceitável operação – depois do que se sabia do fracasso da experiência soviética, contrariada, aliás, por britânicos e americanos, um pouco à socapa. Foi aí que nasceu, como um dia se saberá, seguramente, a terrível Al-Qaeda.

Quanto à invasão do Iraque foi ainda pior. Foi uma decisão quase unilateral de Bush, que contou com a cumplicidade de Tony Blair, de Aznar e de José Manuel Barroso, o anfitrião da cimeira da vergonha, que teve lugar nos Açores. Invocando falsas razões, que só enganaram os que queriam ser enganados…

Barack Obama sempre foi, honra lhe seja feita, contra a invasão do Iraque. E sempre disse que queria retirar as tropas americanas do Iraque, uma vez presidente. O prazo marcado para o efeito está a esgotar-se e ninguém sabe como vai ficar aquele desgraçado país, após a retirada das tropas americanas… Um país arruinado e em guerra civil, entre xiitas e sunitas, em virtude da inconsciência de um presidente americano (impune), que sacrificou vários milhares de vidas inocentes, entre os agressores e os agredidos, enquanto algumas empresas ganhavam fortunas, incluindo as dos mercenários.

A situação do Afeganistão é pior porque envolve duas organizações internacionais: a NATO, que dificilmente sobreviverá ao colapso do seu empenhamento no Afeganistão; e a ONU, que deu o aval a uma guerra que tinha obrigação de saber que terminaria mal.

Obama, dado talvez a sua formação jurídico-política, muito formal, nunca disse que retiraria as suas tropas do atoleiro afegão. Pelo contrário: enviou para lá mais trinta mil soldados americanos e pressionou os seus aliados europeus a reforçar os seus contingentes. E, no entanto, a situação parece não ter remédio: todos os dias se agrava. Como noticiam vários jornais de grande credibilidade, como o New York Times, o Guardian e o Der Spiegel, que tiveram acesso a documentos, até agora secretos, do Pentágono. Todos são unânimes em afirmar que a guerra no Afeganistão parece não ter solução, apesar de haver 135 000 soldados no terreno – dos quais 95 mil americanos – de 46 países diferentes. E de ter custado ao erário americano mais de trezentos biliões de dólares. Porquê? Porque, essencialmente, os americanos, como a NATO, nunca conseguiram ser vistos como libertadores mas sim como invasores. Para além do Governo de Karzai ser acusado “de corrupção, de abuso de poder, de nepotismo, de arbítrio, de incompetência e de estar aliado aos ‘senhores da guerra’ e aos traficantes de ópio, se não mesmo, aos talibãs e aos serviços secretos paquistaneses”. O Paquistão sempre teve um jogo duplo nessa guerra.

O New York Times, pela pena de Nicholas Kristof, escreve que “um soldado americano custa mais do que 20 escolas e que esta guerra é a mais cara da história da América”. Obama solicitou ao Congresso, para despesas militares, mais “6,1% do que o pico mais alto na despesa na era Bush”. Por outro lado, a Agência Árabe de Notícias, citada por Aijaz Zaka Syed, diz que “Obama tem uma escolha difícil: ou retirar do Afeganistão agora, com dignidade, ou aguardar pela humilhação que consumiu os soviéticos”. E escreve: “Os aviões não pilotados, Reaper, dirigidos por controlo remoto, a partir do deserto de Nevada, usados para matar os suspeitos, acabam por matar, indiscriminadamente, a população civil.”

Christoph Schwennicke escreve, no mesmo sentido, no Der Spiegel: “É difícil aos políticos admitir que estavam enganados. No caso do Afeganistão, as consequências de não o fazerem, podem ser fatais. É tempo do Ocidente limitar as suas perdas e retirar.” Este é o dilema terrível em que se encontra o Presidente Obama. Sem esquecer todos os outros: a maré negra do golfo do México, o aquecimento global, a crise global, etc. Se cede perante o complexo industrial-militar, de que falou Eisenhower, terá um imerecido fim – digo-o com tristeza – na história da América e do mundo.

Entretanto, a Holanda teve a coragem de anunciar a retirada do seu contingente no Afeganistão, até ao fim de Dezembro. Portugal, no meu modesto entender, devia fazer o mesmo. Quanto antes.

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