A Shock of $14.3 Trillion

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O enorme buraco nas contas públicas americanas, com déficit de US$ 1,5 trilhão neste ano fiscal e endividamento crescente, está longe de ser novidade. Apesar disso, uma agência de classificação de risco, a Standard & Poor”s, assustou os mercados ao baixar de estável para negativa a perspectiva de avaliação da dívida federal dos Estados Unidos. O abalo nas bolsas foi passageiro, mas, no dia seguinte, a cotação do ouro atingiu um recorde, US$ 1.500 por onça. Não há risco, no entanto, de quebra do Tesouro americano. A Casa Branca não pedirá socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) nem terá de propor uma renegociação aos credores. O maior deles, o Estado chinês, detinha em dezembro títulos públicos dos Estados Unidos no valor de US$ 1,16 trilhão. A China tem o máximo interesse em preservar o valor desses papéis. Não há risco, portanto? Essa seria uma conclusão errada. A péssima situação fiscal americana, com uma dívida de US$ 14,3 trilhões no fim de março, já é uma grande preocupação para todo o mundo. Quanto mais se retardar a solução, piores serão as consequências internas e externas.

A decisão anunciada pela Standard & Poor”s apenas deu um toque mais dramático a um problema exaustivamente examinado na semana passada, na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os Estados Unidos têm o maior déficit fiscal do mundo, como parcela do Produto Interno Bruto (10,8% neste ano), e a segunda maior necessidade de financiamento, superada só pela do Japão.

O governo dos Estados Unidos precisou em 2010 de recursos equivalentes a 26% do PIB para cobrir o déficit fiscal e a dívida vencida. Precisará de 28,8% neste ano e de 25,6% no próximo, segundo o FMI. A necessidade japonesa será maior porque o seu déficit público aumentou e seu endividamento há muito tempo supera o americano. Nenhum país europeu, mesmo entre os mais endividados, precisará de financiamentos tão pesados em 2011 e 2012.

A dívida bruta do governo americano correspondia a 62,2% do PIB em 2007, quando surgiram os primeiros sinais de estouro da bolha de crédito. Subiu para 94,6% em 2009, no pior ano da crise, e deve atingir 99,5% neste ano. Baterá em 102,9% do PIB em 2012 e chegará a 111,9% em 2016, segundo as projeções divulgadas na semana passada pelo FMI.

O presidente Bill Clinton deixou as contas públicas em bom estado ao deixar o governo, em janeiro de 2001. Nos oito anos seguintes o presidente George W. Bush devastou o orçamento americano, combinando um enorme aumento de gastos militares com expansão de benefícios fiscais para ricos. No fim de seu mandato, ampliou o rombo fiscal com o socorro a bancos e a empresas fortemente atingidas pela crise. O presidente Barack Obama herdou contas públicas em frangalhos, mas foi forçado a renovar os pacotes de benefícios fiscais para evitar mais quebras e o agravamento da recessão.

Estados Unidos e outros países do mundo rico terão de enfrentar nos próximos anos um longo e doloroso esforço de arrumação das contas públicas. Grécia, Irlanda e Portugal foram forçados a pedir socorro para não se tornar insolventes. Já se fala em reestruturação da dívida grega, desmentida até ontem por todos os envolvidos na ajuda ao país. Nesse ambiente, a comoção causada pelo anúncio da Standard & Poor”s é compreensível, embora o efeito emocional tenha durado menos que 24 horas.

Mas o alerta acentua a urgência de um acordo político nos Estados Unidos. Um projeto da oposição foi aprovado na Câmara de Representantes, mas sem chance de passar no Senado. Na semana passada o presidente Barack Obama apresentou um plano de ajuste de US$ 4 trilhões em 12 anos – um bom ponto de partida para uma nova negociação entre os partidos. Enquanto a crise fiscal se prolonga, a política monetária se mantém frouxa e os mercados de todo o mundo, incluído o brasileiro, permanecem sujeitos à inundação de dólares.

A decisão da Standard & Poor”s vale principalmente como lembrete para os partidos: a situação fiscal é grave demais para continuar sendo tratada como eleitoral. É urgente cuidar do problema com a seriedade esperada por todo o mundo.

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