EUA têm papel estrutural e histórico nas mudanças no mundo árabe
José Arbex Jr, jornalista, doutor em História e professor da PUC/SP, explica as relações dos Estados Unidos, com os movimentos populares árabes.
por Adriana Mabilia
Qual o papel dos Estados Unidos na revolução popular árabe?
Arbex: Nenhum, se a pergunta se refere a ações imediatas, diretamente ligadas aos movimentos; papel central, se a pergunta se refere às causas mais profundas, estruturais e históricas. A revolução teve, como causa dominante imediata, a situação de miséria e fome da imensa maioria das populações dos países árabes.
Se as dimensões da revolução árabe surpreenderam o mundo, suas causas já eram bem conhecidas. Em 2010, especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) advertiram para a proximidade de uma nova crise alimentar mundial, e chegaram até mesmo a prever que eclodiriam no início de 2011.
Nesse sentido, o comércio e a especulação desenfreados com o preço dos alimentos, é responsável por um mecanismo que nega a bilhões de seres humanos o direito elementar a uma alimentação digna. E no centro do sistema estão os Estados Unidos, sede do capital financeiro mundial e das maiores corporações produtoras de alimentos. É nesse sentido que o seu papel é estrutural e histórico.
Como era a relação dos Estados Unidos com os governos que enfrentaram/enfrentam revoltas populares?
Arbex: As melhores possíveis, com um ou outro. O Egito de Hosni Mubarak, sempre bem recebido na Casa Branca, funcionou como carrasco de seu próprio povo.
Seu alinhamento incondicional a Washington é fonte de pressão sobre governos menos “dóceis” do Oriente Médio, como o sírio, e serve como fator de estabilidade regional (em combinação com os governos aliados da Arábia Saudita e Jordânia), além de jogar um peso importante no norte da África.
Na Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, a família real, que adota o fundamentalismo wahabita, acumula fortunas fabulosas, às custas da pobreza de boa parte dos trabalhadores.
Há muitos anos as tensões se acumulam na Arábia Saudita, agravadas pelo fato de que a monarquia cedeu território para funcionar como base estadunidense e britânica para ataques ao Iraque durante as duas guerras do Golfo.
Mesmo a desestabilização súbita da Síria seria uma má notícia para Washington e Israel.
Submetida a uma feroz ditadura, em que se pratica o culto à personalidade do presidente Bashar Assad (desde julho de 2 mil, quando substituiu o seu falecido pai Hafez), a Síria reclama a soberania sobre as Colinas de Golã, anexadas por Israel durante a Guerra dos Seis Dias. Mas, ainda que seja qualificada como parte do “eixo do mal” pela direita dos Estados Unidos e Israel, e acusada de financiar o Hezbolá e o Hamas, a ditadura síria faz o jogo diplomático, evita o confronto direto (como faz, por exemplo, Mahmoud Ahmadinejad), contém a minoria curda (outro fator explosivo em toda a região) e procura soluções mais pragmáticas.
No atual quadro, é menos pior para a Casa Branca ter um inimigo conhecido mas controlável do que esperar uma alternativa que não se sabe bem qual seria.
As relações da Casa Branca eram ótimas mesmo com a Líbia de Muamar Khadafi. Em 2003, Khadafi anunciou sua adesão à “guerra ao terror” promovida por George W. Bush, ganhando como prêmio a suspensão de sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos.
Produtores de petróleo dos Estados Unidos e Grã-Bretanha receberam carta branca para expandir as suas atividades no país, além de outras empresas europeias.
Se a Casa Branca e a União Europeia decidiram romper a lua de mel com a Líbia de Khadafi, isso se deve unicamente ao fato de que o regime, profundamente abalado pelos protestos estimulados pela revolução árabe, mostrou perigosos sinais de incapacidade de garantir o fluxo de exportação de petróleo.
Como fica a relação dos Estados Unidos com esses governos?
Arbex: É sempre perigoso especular com possibilidades futuras, especialmente quando a revolução árabe começa a estimular fortes movimentos de resistência na Europa, como acontece agora na Praça do Sol, centro de Madri, abalando seriamente a estabilidade de um dos países centrais da Zona do Euro. A revolução árabe ainda está muito longe de seu fim, e por isso é impossível prever que tipo de relação a Casa Branca manterá com os futuros governos. Mas pode-se afirmar, com tranquilidade, que novos governos terão que fazer reformas e concessões às reivindicações populares, o que implicará em restrições ao livre curso das atividades das grandes corporações estadunidenses que atuam na região.
Quais os interesses americanos em cada país e na região como um todo?
Arbex: Além do petróleo, os interesses de ordem econômica e financeira, há os interesses geopolíticos. A crise financeira desencadeada em 2008 determina a urgência com que Washington terá que estabilizar o Oriente Médio, porque uma redução súbita ou mesmo incertezas sobre o fluxo de petróleo no mundo poderá causar a explosão do preço do barril, e isso aprofundar a crise global do capital.
A Arábia Saudita, que possui cerca de 24% das reservas mensuradas de petróleo e é o maior exportador mundial do produto, tem capacidade técnica e reservas suficientes para compensar, por algum tempo, o fornecimento interrompido ou diminuído de outros países produtores, como a Líbia. A situação escaparia realmente ao controle se até mesmo a Arábia Saudita for engolida pela revolução árabe. A monarquia saudita é obrigada a distribuir bilhões de dólares em programas sociais de urgência para atenuar as tensõe sociais, mas, sobretudo, ela tem que mostrar os músculos contra manifestantes muçulmanos, o que é muito complicado e perigoso, em se tratando de um regime que deriva grande parte de seu prestígio pelo fato de ser o guardião de Meca e dos locais mais sagrados do Islã.
O interesse geopolítico refere-se, é claro, à estabilidade de Israel, aliado histórico dos Estados Unidos na região, mas também à Turquia, que agora se apresenta como uma grande incógnita.
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