Não é difícil entender quem ganhou e quem perdeu com o acordo sobre o déficit americano. Enquanto 50% dos democratas votaram contra, dois terços dos republicanos votaram a favor. 60% da bancada do Tea Party, a facção ultra-direitista dos republicanos, apoia o acordo.
O acordo é fruto basicamente de um esforço de Barack Obama para preservar sua candidatura presidencial a partir de uma estratégia óbvia. Convencido de que em 2012 os eleitores democratas serão obrigados a votar em sua candidatura até por falta de alternativa, Obama dedica-se hoje a cultivar o eleitorado de centro e até mesmo uma fatia conservadora. Com isso, espera compensar a deserção de uma grande fatia de eleitores e personalidades que fizeram o charme de sua campanha em 2008 e agora o tratam com desprezo e amargura e sequer terão disposição para comparecer às urnas.
Obama cedeu os anéis e alguns dedos nas negociações. Irá cortar benefícios que chegavam ao bolso das famílias pobres e de classe média. Cedeu, porém, a pressão republicana que impede a elevação de impostos sobre os contribuintes mais endinheiros. Na pura matemática, o acordo irá contribuir para concentrar a renda na sociedade americana — uma das mais desiguais entre os países desenvolvidos.
É importante registrar que o acordo é ruim para a economia americana e mundial. É certo que um calote teria efeitos ainda mais ruinosos sobre o emprego, a confiança dos investidores e as possibilidades de crescimento. Por esse raciocínio, o acordo trouxe um certo alívio, ainda que pouco duradouro.
O problema é que, mesmo evitando uma catástrofe maior, o acordo não vai servir de estimulo à economia. Numa etapa de baixa de investimentos, a decisão de fazer novos cortes só irá contribuir para piorar as coisas. De certa maneira, o pacto é uma repetição do célebre “erro de 1937″ com um detalhe que só agrava a situação.
Para quem não se recorda: em 1937, pressionado pelos republicanos e também por grandes investidores, o presidente americano Franklin Roosevelt suspendeu os programas de estímulo a economia e decidiu fazer cortes de investimento com o argumento de que era preciso garantir um certo equilíbrio fiscal. O problema é que os cortes derrubaram uma economia que ainda se recuperava da catástrofe de 1929, produzindo uma nova recessão, que só seria vencida anos mais tarde, com auxílio dos investimentos da Segunda Guerra Mundial.
A diferença entre 1937 e 2011 é que a economia, hoje, está muito mais fraca do que há 80 anos. A recuperação é mais lenta, irregular e difícil. O índice de criação de empregos continua vergonhosamente baixo. O consumo também. Isso quer dizer que o “erro de 2011″ pode ter efeitos ainda mais ruinosos.
Quem imagina que o acordo poderá agradar investidores e assegurar uma melhora na credibilidade da economia americana precisa recordar-se que as principais agencias de risco cobram um sacrifício muito maior para dar seu aval a um acordo. Com aquela crueldade social que só costuma ter equivalencia em sua capacidade para cometer erros de previsão economica, elas não queriam um corte de 1 trilhão de dolares em 10 anos mas de 4 trilhões.
Ao longo dos últimos meses, Obama acumulou outras demonstrações de incompetencia e incapacidade de ação política.
Já poderia ter iniciado as negociações no final do ano passado, em vez de deixar as conversas para os últimos dias. Também poderia ter assumido uma posição de força, com o argumento de que a emenda 14 da Constituição proibe um presidente de suspender o pagamento de despesas “autorizadas por lei” em vez de sentar-se a mesa na posição humilhante de um chefe de governo que parece mendigar por qualquer aceno de seus adversários.
Obama pode ter garantido alguma vitamina com o acordo. Mas sua musculatura de presidente que chegou a Casa Branca com a promessa de grandes mudanças perdeu fibra e força.
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