Pakistan and the United States Are in an Ignored War

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José Goulão

Paquistão e Estados Unidos estão numa guerra ignorada

30 de Novembro, 2011


O Paquistão e os Estados Unidos da América estão em guerra. Uma guerra não reconhecida, não declarada mas que nem por isso é surda. Para o mundo e para os cálculos estratégicos internacionais os dois países continuam a ser fiéis aliados, mas entre eles já nada é o que era não só desde o 11 de Setembro mas até muito mais de trás, desde a ditadura do general Zia ul-Hak, dedicado e cumpridor amigo de Washington.
As relações azedaram por causa dos talibãs. O Paquistão, muito longe de ser um país homogéneo e que, constantemente à procura de equilíbrios internos, assume características cada vez mais próximas de um regime islâmico, nunca esteve isento de um papel duplo desde que o grupo talibã, os “estudantes de teologia”, emergiu vitorioso do caos em que se envolveram os grupos fundamentalistas pró-americanos e pró-sauditas no Afeganistão após a expulsão das tropas soviéticas.
Sectores militares e da polícia secreta do Paquistão mantiveram através dos talibãs o seu apoio aos mercenários islâmicos. Os próprios talibãs não nasceram inimigos jurados dos Estados Unidos e chegaram a manter negociações depois de os “estudantes de teologia” terem começado a governar em Cabul,ação. A invasão norte-americana do Afeganistão para “caçar Bin Laden” retirou os talibãs do governo de Cabul mas não conseguiu liquidar o grupo, cujas principais bases continuaram a situar-se no Paquistão, com apoios neste país. A guerra de resistência no Afeganistão à invasão da OTAN foi diluindo diferenças entre vários grupos fundamentalistas tornando ténues as fronteiras que diferenciam talibãs, al-Qaeda e grupos separatistas de regiões do Paquistão e do Afeganistão.
O ataque efectuado este ano por um grupo de operações especiais norte-americano contra o território do Paquistão para executar Bin Laden catapultou para a superfície o mal-estar entre Islamabad e Washington. Trocaram-se ameaças de retaliações mútuas, o descontentamento paquistanês perante as frequentes operações militares da OTAN no seu território, a pretexto do combate aos talibãs, enraizou-se no contencioso entre os dois aliados. Um sinal que não deixa dúvidas quanto à instabilidade dos laços na região foi o de o governo de Hamid Karzai no Afeganistão, instalado e sustentado pelos Estados Unidos, afirmar que tomaria o partido do Paquistão em caso de guerra com Washington.
Nos últimos a “floresta de enganos” em que se perdem com aterradora frequência as tropas da OTAN quando em operações, foi cenário de nova machadada na aliança. Não pelo facto de as tropas invasoras terem liquidado mais um grupo de crianças em consequência de um “erro” na identificação dos alvos. O “engano” foi mais extenso: helicópteros e outros meios pesados da Aliança Atlântica avançaram pelo Paquistão adentro – dizem que a fronteira está “mal assinalada” – e atacaram postos do exército do Paquistão provocando a morte de pelo menos 28 soldados, aliás apanhados desprevenidos porque não é suposto “aliados” fazerem o que fizeram.
Os Estados Unidos, como sempre depois da tarefa cumprida, distribuem desculpas em todas as direcções mas o problema vai deixar marcas até porque não há poder que resista em Islamabad se ficar de braços cruzados perante a gravidade da humilhação.
O Paquistão assegura que a OTAN tem em seu poder mapas com os postos militares paquistaneses muito bem identificados, pelo que não há engano possível por mais arcaico que seja o GPS usado pelo mais poderoso exército do mundo. Por isso, os militares de Islamabad aconselharam já os Estados Unidos a esvaziar a bases de aviões sem piloto (drones) que têm no noroeste paquistanês e informaram Washington de que vão encerrar as vias de fornecimento e abastecimento da OTAN, muito importantes para a guerra contra os talibãs. Nada disto tem a ver com relações entre aliados. Estamos, sem dúvida, perante um cenário de guerra.


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