O Supremo Tribunal dos Estados Unidos vai ouvir hoje os argumentos a favor e contra o chamado “mandato individual” previsto no Patient Protection and Affordable Care Act, a lei que reforma o funcionamento do sistema de saúde norte-americano assinada pelo Presidente Barack Obama em Março de 2010. Trata-se do elemento fundamental da legislação — e também da contestação: o que a norma estabelece que todos os cidadãos têm de estar cobertos por um seguro de saúde. Cerca de 85% da população norte-americana tem acesso a cuidados médicos através dos seguros feitos pelos seus empregadores, mas mais de 35 milhões de pessoas (e estima-se que pelo menos 11 milhões de imigrantes ilegais) estão fora do sistema, sem recurso a medicina que não ao nível do serviço de urgência. Essa é uma das razões por detrás dos elevados custos da medicina nos Estados Unidos: milhões de pessoas só são tratadas quando têm condições graves, que exigem tratamentos prolongados ou dispendiosos, e que por não estarem cobertos por uma apólice, acabam por ser pagos pelos contribuintes. [Uma outra razão tem a ver com a natureza eminentemente privada do sistema, em que os preços são regulados pela própria indústria.] O que a lei prevê é que, a partir de 2014, a cobertura com seguro passe a ser obrigatória: quem não tiver condições para suportar os custos da apólice terá direito a subsídios, quem ainda assim preferir manter-se à margem do sistema terá de pagar uma multa. Para as pessoas que estão abrangidas pelos programas de assistência Medicare e Medicaid a nova lei não muda nada, nem para quem já dispõe de seguro de saúde através do emprego.
Em causa na audiência de hoje do Supremo está uma pergunta simples: pode o Governo federal obrigar alguém a adquirir um bem ou um serviço? Há uma complexa argumentação jurídica, que envolve a lei que regula o comércio interestadual, e a decisão do tribunal poderá alterar, de forma decisiva, a divisão de poder e o relacionamento entre o Governo federal e os governos estaduais.
Terá também, inevitavelmente, repercussões políticas.
A reforma da saúde foi um dos maiores sucessos do Presidente Barack Obama — ainda que lhe tenha custado quase todo o capital político conquistado nas urnas em 2008, num processo tumultuoso que expôs as fragilidades das negociações de bastidores em Washington. A reforma, que foi elaborada pelo Congresso sob a supervisão da Casa Branca, não é inteiramente do agrado do Presidente — enquanto candidato presidencial, Obama não favorecia a opção do “mandato individual”. Apesar das polémicas, o Affordable Care Act — designado pelos críticos como Obamacare — é uma legislação histórica, comparável àquela que criou a Segurança Social: quando entrar plenamente em vigor, levará a uma alteração profunda na forma como a sociedade norte-americana funciona. O sucesso de Obama ganha uma outra dimensão história depois das décadas de fracassos, em que uma sucessão de Presidentes (democratas e também republicanos) prometeram mas falharam nas suas tentativas de “consertar” um sistema que reconhecidamente não funcionava.
Mas a lei também é profundamente impopular, e não só por causa da oposição em bloco do Partido Republicano. É, para os conservadores, uma posição ideológica e de princípio, mais do que uma matéria económica (o sector da saúde representa 1/6 da economia americana) ou de direitos humanos. Foi a oposição feroz ao pacote Obamacare que catapultou o Tea Party em 2010, e ofereceu aos republicanos a oportunidade de recuperar o controlo da Câmara de Representantes nas intercalares de 2010.
A decisão final dos juízes do Supremo está prevista para o fim de Junho. Independentemente do seu sentido, terá um efeito bombástico na campanha eleitoral para a Casa Branca.
Para já, o candidato que mais tem cavalgado a onda tem sido o antigo senador da Pensilvânia Rick Santorum, que fez da sua oposição ao Obamacare — e ao seu percursor, Romneycare (a lei para a universalização do acesso a cuidados médicos assinada por Mitt Romney no Massachusetts) — um dos pontos centrais da sua campanha. De muitas outras diferenças para o seu rival Romney, essa é porventura a que o eleitorado conservador mais facilmente compreende: nos seus comícios, Santorum nunca falha em dizer que se correr contra Obama poderá oferecer o claro contraste ao Presidente, ao contrário de Romney.
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