The Health of Obamaand American Justice

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A saúde de Obama e a justiça americana

Para quem está cansado de acompanhar a maratona das primárias presidenciais americanas, existe uma opção a partir desta segunda-feira. São três dias de extenuantes apresentações de argumentos orais na Corte Suprema, em Washington, sobre a lei de reforma de saúde do governo Obama, aprovada há dois anos por uma margem estreita no Congresso. Serão seis horas de argumentos, a favor e contra. Desde 1966, a Corte Suprema não dedicava tanto tempo a um tema individual. E, ilustríssimos leitores e leitoras, vou tratar do tema com a merecida aridez. Fiquem despertos!

A decisão dos nove juízes será em junho, quando -esta é a suposição- os republicanos já terão seu candidato presidencial e assim os desdobramentos da decisão judicial serão cruciais na campanha para as eleições de novembro. Em uma situação extrema, a suprema vitória legislativa de Barack Obama poderá resultar na sua derrota eleitoral (o triunfo no Congreso em março de 2010 já foi fugaz, pois contribuiu para os democratas perderem o controle da Câmara nas eleições de novembro daquele ano). A politização do tema é inevitável e a decisão será histórica, pois irá além da eleição, na medida em que envolve questões como o modelo de relação entre o estado e os cidadãos, a alocação de poder entre o governo federal e os estados e a autoridade do Congresso para lidar com os problemas nacionais.

Não estão em julgamento aspectos da reforma de saúde como a eficiência de serviços ou os custos econômicos, mas sua constitucionalidade. Em termos essenciais, os três dias de audiência vão examinar o desafio legal ao mandato individual da lei de 2010, que força quase todos os consumidores a terem seguro de saúde através de planos privados ou programas públicos (haverá subsídios para quem não puder pagar). Num país com seu DNA individualista, um argumento visceral do desafio é que este mandato universal é uma ameaça à própria liberdade individual. Revogar a reforma de saúde se converteu em uma cruzada conservadora.

Em termos técnicos, o desafio, que tem como ponta- de-lança duas dúzias de procuradores-gerais de vários estados governados pelos republicanos, argumenta que o governo federal excedeu de sua autoridade sob a cláusula de comércio interestadual da Constituição, ao exigir que os cidadãos comprem um produto, o seguro de saúde. Esta cláusula permite que o governo federal regule atividades que afetam atividades comerciais nacionais. Para os oponentes, não comprar um seguro de saúde é uma “inatividade’ e não uma “atividade”. Nas inevitáveis hipérboles, o argumento vai ao ponto de alertar que próximos passos serão o governo decidir quantas vezes um cidadão poderá ir ao médico por ano ou que deve comer brócolis para se manter saudável (esta verdura é sempre campeã de escárnio, uma injustiça, pois eu gosto dela).

Já os defensores lembram que o argumento funciona ao contrário. Se a Corte Suprema derrubar o mandato universal na saúde, poderá abrir um precedente, por exemplo, contra o seguro obrigatório de carro. Em termos mais básicos, os defensores dizem que não há como argumentar que o sistema de saúde nos EUA não seja um comércio interestadual.  Nos últimos 75 anos, a Corte Suprema expressou deferência à autoridade do Congresso na esfera sócio-econômica. Os defensores também argumentam que não há como diferenciar ação de inação. Decidir não ter um seguro de saúde é uma ação financeira ou, por exemplo, a inação de não pagar impostos é sujeita à regulamentação governamental e penalidades.

A Casa Branca se diz confiante na vitória judicial e não tem um plano alternativo (numa pesquisa do equivalente americano da OAB, 75% dos especialistas em Corte Suprema disseram acreditar que a maioria dos juizes irá concluir que a obrigatoriedade do seguro médico é constitucional). Ironicamente, nestes últimos dois anos, o governo fracassou na tarefa de “vender” a reforma de saúde para a opinião pública e o tema impulsionou o Tea Party, além de ter se tornado cavalo-de-batalha para os republicanos e munição para os adversários do favorito nas primárias, Mitt Romney, que, quando era governador de Massachusetts, implantou um programa estadual com mandato individual.

Os democratas não se cansam de lembrar que o Romneycare (a assistência Romney) inspirou o Obamacare, assim como propostas da conservadora Fundação Heritage, delineadas para trazer mais eficiência e menos custos para um sistema delineadase saúde que consome quase 20% do PIB americano. Romney hoje insiste que seu objetivo é revogar o ObamaCare.

Existem um foguetório de lobies e mobilização popular em torno desta audiência na Corte Suprema. Para dizer o mínimo, a opinião pública está polarizada (com republicanos esmagadoramente contra a reforma da saúde nos moldes aprovados e democratas, a favor). Existem, porém nuances, com apoio a alguns componentes, caso da proibição para seguradoras descartarem pessoas com condições médicas pré-existentes, e rejeição a outros, caso do mandato individual.

A corte presidida pelo juiz John Roberts é conservadora (com frequentes votações de 5 x 4), Mas isto não significa que seja fácil prever como ela irá se comportar neste caso. Alguns dos juízes conservadores já defenderam a cláusula de comércio interestadual em decisões similares, embora não desta magnitude. Os juízes podem tanto ratificar a lei, rechaçá-la, acolher parte dela ou decidir que é cedo tomar uma decisão na medida em que a reforma da saúde apenas será plenamente implementada em 2014.

A expectativa é de que os juízes não atuem de forma partidária em uma decisão histórica no calor da campanha eleitoral e tendo como pano de fundo a decisão na Corte Suprema no ano 2000 que assegurou a vitória do republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore, após uma controvertida recontagem de votos.

Melhor acreditar na isenção da Corte Suprema. Afinal, a independência do Judiciário é fiadora da saúde da democracia americana.

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