Blind Dissident Challenges the Strategic Vision of the US in China

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Dissidente cego desafia visão estratégica dos EUA na China

A história do dissidente chinês Chen Guangcheng é de doer o coração, mas agora ele é uma tremenda dor de cabeça para o governo Obama, pois este negócio de direitos humanos atrapalha os negócios dos EUA com a China. Guangcheng é a verdadeira audácia da esperança e, na perspectiva das autoridades dos dois paises, ele escolheu a pior hora para um gesto heróico.

Dissidente, cego e advogado autodidata, de 40 anos, em campanha infatigável contra abortos forçados e esterilizações, ele está na linha de frente na resistência à política de filho único no país de partido único. Guangcheng também é um campeão na defesa dos deficientes e batalha em geral contra abusos, arbítrio e corrupção, especialmente na sua província de Shandong, no leste do país. Na humilhação suprema ao regime vigilante, o dissidente cego conseguiu fugir na semana passada da prisão domiciliar, perto da cidade de Linyi, e se refugiou na embaixada americana em Pequim.

 

A peripécia do dissidente cego aos olhos do mundo (ele divulgou um vídeo no YouTube, depois da grande escapada, com um apelo direto ao primeiro-ministro Wen Jiabao pelo respeito às leis e fim dos desmandos) aconteceu dias antes da chegada a Pequim (em visita agendada) de uma delegação da pesada dos EUA (chefiada pela secretária de Estado, Hillary Clinton, e do Tesouro, Tim Geithner, para mais uma rodada de diálogo estratégico e econômico.

Na quinta-feira, horas antes do inicio formal dos encontros em uma espécie de arranjo diplomático, Guangcheng deixou a embaixada, na companhia do embaixador americano Gary Locke e foi para um hospital receber tratamento médico. De sua parte, as autoridades chineses protestaram e exigiram um pedido de desculpas de Washington como parte do teatro diplomático. As primeiras informações são de que os americanos receberam garantias chinesas de que Guangcheng poderá ter uma vida livre no país, não partindo para o exílio. Nestes acertos, muita coisa pode resultar em erros, especialmente se o dissidente fizer bom uso de sua suposta liberdade. Vamos ver. (atualização às 11:30, horário NY: e em uma confirmação dos lances convolutos nesta saga, as mais recentes informações dão conta de que, na verdade, Guangcheng estaria relutante em ficar no país e teria saído da embaixada americana devido `as ameaças que sua família estava recebendo).

O fato é que Guangcheng fugiu da prisão domiciliar, criou um fato consumado e Obama faz o que pode para se esconder. Em campanha pela reeleição, Obama não pode parecer banana. Para os republicanos de Mitt Romney, o dilema sobre o que fazer com o dissidente é um prato cheio, com as advertências de que o presidente não pode se curvar aos chineses (curioso ver como Romney se comportaria em uma saia-justa como esta, caso ganhe o poder).

Washington precisa de Pequim numa relação complicada de cooperação e competição, seja em questões da economia, seja em geopolítica, em crises como as do Irã, Síria e Coréia do Norte. Já na China, há uma tortuosa transição de poder no final do ano, bem menos suave do que se projetava, como ficou comprovado na defenestração da estrela em ascensão Bo Xilai. E agora a linha-dura pode ensaiar resistência com as concessões aos americanos no caso do dissidente.

Guangcheng também é linha-dura. Nunca quis partir para o exílio, que em princípio teria sido uma solução cômoda nesta crise. Fora do país, seu impacto se esvaziaria. Por esta razão, Guangcheng quer ficar em liberdade na China, com garantias de que não ira se repetir o prontuário de abusos contra ele e sua família. Mesmo com restrições, seu papel pode ser significativo, como tem sido o caso do artista e ativista Wei Wei.

Em um mundo ideal, os setores mais reformistas na China poderiam usar a encrenca para ganhar pontos, mostrando ao mundo que a China emergente é, de fato, um país mais maduro, capaz de conviver com dissidentes e enquadrar uma cultura de abusos. Num mundo ideal, Obama mostraria mais coragem e, ao invés de esconder direitos humanos debaixo do tapete, diria para os chineses que realismo e pragmatismo devem nortear as relações entre as duas superpotências do século 21, mas que princípios não podem ser tratados como mercadoria barata, made in China.

O drama é que está cada vez mais difícil conciliar pragmatismo e princípios. A China é um país cada vez mais importante e espera ser tratada com respeito, enquanto desrespeita cidadãos como Chen Guangcheng. Não gosta de receber lições de moral e detesta estas interferências em assuntos internos, especialmente quando se sente mais confiante e menos acuada. Ironicamente, foi a própria secretária de Estado, Hillary Clinton, que ao assumir o cargo, argumentou que “direitos humanos não deveriam interferir” em outros assuntos vitais nas relações EUA-China. Esta é a tradicional posição realista, advogada pelo bruxo diplomático Henry Kissinger desde que os dois países normalizaram as relações há 40 anos.

A palavra-de-ordem em Washington (em democratês ou republicanês) é tratar, na medida do possível, de forma discreta problemas ao estilo Guangcheng. Claro que cada partido age com oportunismo e cria constrangimentos quando o outro está na Casa Branca. Ao mesmo tempo, se a nova estratégia americana, como apregoa Obama, é se consolidar como potência dominante na área Ásia-Pacífico, inclusive arregimentando forças na região para neutralizar o avanço chinês, é preciso oferecer um modelo atraente de liberdades políticas e econômicas, e não apenas pragmatismo beirando o cinismo.

Há riscos políticos, econômicos e estratégicos com este desafio ao modelo chinês de vamos fazer negócios e se dane gente como Guangcheng? Claro que há, mas é igualmente perigoso tentar manter um modus-vivendi com os chineses quando a sociedade local é cada vez mais dinâmica e inquieta. Basta ver a incrível atividade de microblogs repercutindo o caso, apesar da censura oficial. Outra situações como a de Cheng Guangcheng aparecerão. Perdão pelo trocadilho, mas não adianta se fingir de cego.

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