About Boys and Guns

Edited by Peter McGuire

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Sobre meninos e armas

WASHINGTON – A segunda emenda à Constituição dos Estados Unidos, datada de 1791, garante à população o direito de manter e carregar armas. “Sendo uma milícia bem regulada necessária para a segurança de um Estado livre, o direito das pessoas de manter e portar armas não deve ser infringido.”

Em tempos de tiros em Aurora, vale evocá-la.

A Constituição dos EUA é uma espécie de livro sagrado. Questionar o anacronismo de algumas de suas proposições — como o porte de armas em uma época em que o país, recém-independente, carecia de um Exército de fato — é uma heresia passível de pena de morte política, mediante a acusação de traição à Pátria. É também um documento perfeito, e exercícios para interpretá-lo não raro terminam em celeumas nacionais e trocas de acusações graves.

Portanto, não veremos o presidente nem seu adversário republicano, Mitt Romney, desferindo qualquer pergunta a respeito do documento que possa soar como ofensa. Na página de campanha de Barack Obama, não há menção ao assunto. Na de Romney, há um tópico “Direito às Armas”, com uma defesa da segunda emenda.

Após a chacina de Aurora, o republicano afirmou que mais controle não faria diferença no desfecho. Já o democrata admitiu que mais critérios na hora de vender poderiam ter evitado que o suspeito, James Holmes, tivesse acesso à parafernália que teve. Mas nada que realmente atente contra aquilo que a Constituição garante.

Ironias à parte, eu sou fã da Constituição americana. Admiro que eles não tenham entulhado o documento com 789 emendas nem o tenham refeito a cada mudança do vento. Mas considerá-lo como algo escrito em pedra, imutável, pronto para ser interpretado ao pé da letra para todo o sempre me parece tão lógico quanto qualquer fanatismo religioso.

Além do contexto histórico, é preciso levar em conta que em uma sociedade menor, é mais fácil saber o que cada um faz com sua arma. Ou quem está comprando armas.

Estamos falando de um tempo em que existiam milícias, e elas eram necessárias. Mais ainda: em 1791, o país tinha 3,9 milhões de pessoas, das quais 900 mil — no máximo — tinham a prerrogativa do porte. Hoje, são 220 milhões (311 milhões de habitantes menos cerca de 90 milhões sem idade legal, o único critério de corte).

 Não está na hora de revisitar a segunda emenda, e impor ao menos algum tipo de critério para a venda?

Nessa hora de comoção, muita gente mira na cultura americana, na banalização da violência. Não acho que a violência esta esteja mais banalizada aqui do que em qualquer outra sociedade do lado de cá do planeta.

 Explicações fáceis surgem em profusão (e sobre isso, Vinicius Mota escreveu um bom artigo na Folha desta segunda). O problema é que elas levam o debate para o lado errado.

Sim, “É a liberação das armas” poderia facilmente entrar nessa lista: as mortes por arma de fogo nos EUA somaram 8.775 em 2010 (último dado disponível), enquanto no Brasil, um país onde o porte de arma não é liberado, foram 35.233.

Mas a questão, lá e cá, vai além da lei e além do espírito dos tempos. O debate pode ser educativo, mas a questão imediata é controle. E o ponto nos EUA é que o controle passa pela mudança na lei, já que sem institucionalização, ficaria difícil contornar a sombra da segunda emenda.

Poderíamos aproveitar a chance para debater sobre as mortes que não saem no noticiário, e as razões pelas quais elas comovem menos (identificação é a palavra-chave aí). Mas isso também seria desviar o assunto.

Qualquer chacina a menos, cá e lá, qualquer matança que pudesse ser evitada, cá e lá, deveria ser evitada.

É um exercício hipotético, mas se considerada a matemática, e se considerado que aqui normalmente se tenta fazer cumprir a lei, apostar que os EUA com controle de armas teriam menos mortes do que sem é, no mínimo, um palpite embasado. Na última pesquisa do Gallup a respeito, no ano passado, 54% dos americanos eram a favor de algum tipo de controle mais severo. Mas só metade deles o diz com todas as letras.

 *

Interessante notar que o lobby antiarmas nos EUA vem caindo, enquanto o pró-armas recuou um pouco, mas muito menos.

 Em 2010, os grupos antiarmas doaram US$ 7.600 a políticos nos EUA, enquanto o pró-armas encheram os cofres dos candidatos com US$ 2,87 milhões, 16% dos quais foram para democratas e 84%, para republicanos, segundo o Centro por uma Política Responsável.

Em 2000, seu auge, o lobby antiarmas havia doado US$ 581 mil, ou 76 vezes mais do que hoje, enquanto os pró-armas doaram US$ 4,3 milhões, menos que o dobro. Em dez anos, relação entre um e outro passou de US$ 1 antiarma contra US$ 7,40 pró-armas para US$ 1 antiarma contra US$ 377 pró. Alguma ideia do porquê? 

* O título deste post é uma alusão ao diretor Clint Eastwood, conservador, durão e a favor do controle de armas. 

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