O futuro da ordem liberal
O declínio da hegemonia dos EUA vive um assomo de negação entre as elites políticas norte-americanas. De certa forma, os opositores da inevitabilidade do declínio levantam argumentos válidos. Militarmente, Washington permanece inatingível. Economicamente, é a maior economia e o PIB per capita é dez vezes superior ao chinês. Na segurança, a rede de alianças é de tal maneira extensa, aceite e desejada que só com longas décadas de boa diplomacia e inversão de aliados será possível a Pequim chegar a tal posto. Culturalmente, universidades, ciência e investigação continuam no topo, e tecnologicamente mantêm uma performance invejável. Mas a mais importante é a dimensão política. A ordem liberal gerada em torno do poder americano foi capaz de erguer e ampliar instituições multilaterais, democracias liberais e liberdade comercial (arco que passa por América, Europa e Ásia). Acontece que uma ordem com estas características só pode ser mantida por democracias liberais. As organizações que a sustentam são também consequência dessa natureza política, não sobrevivendo à derrocada. Por outras palavras, a estabilidade desta ordem, tal como a conhecemos no último meio século, dificilmente sobreviverá a uma implosão da União Europeia ou da Aliança Atlântica. Digo isto por uma razão: uma ordem multipolar – que implique uma distribuição equitativa de todas as dimensões do poder entre várias grandes potências – não gera necessariamente mais estabilidade, segurança e prosperidade. Isso seria mais linear se todos esses polos em ascensão tivessem uma natureza democrática e respeitassem as liberdades. Não é o caso. E tal como uma ordem liberal só é suportada por nações liberais, potências não-democráticas e iliberais influenciam uma ordem menos livre. O grande desafio para este Ocidente político nas próximas décadas não está em acompanhar o declínio dos EUA, está na preocupação com a ascensão autocrática. O poder nunca é conquistado em vão.
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.