Edited by Josie Mulberry
Repare nesta frase: “Barack Obama pode decidir mandar matar Ben Laden, mas não tem meios para modernizar a rede ferroviária.” Quem chama a atenção para o absurdo é Sylvie Kauffmann, num artigo que o Le Monde agora republica na revista A América de Obama.
O exemplo é perfeito para mostrar como o poderio do Presidente americano se sente mundo fora, mas fraqueja dentro de fronteiras, porque os republicanos boicotam as suas iniciativas. Se o congressista Allen West acusa o democrata de imitar a União Soviética, outros alimentam as teorias da conspiração que fazem de Obama um agente comunista ou, por causa do pai queniano, um criptomuçulmano.
A análise da ex-chefe de redação do Le Monde bebe da sua experiência em Nova Iorque e Washington. E como antes foi correspondente na União Soviética, é significativo que não identifique os problemas dos Estados Unidos com tentações socializantes, mas com o fundamentalismo da direita. Na fúria contra o Governo, a ala mais conservadora dos republicanos opõe-se a que se invista em estradas ou caminhos de ferro, em escolas ou hospitais, na investigação médica ou no combate ao aquecimento, mas cala-se quanto aos gastos militares. E fica também muda perante o aumento das desigualdades, com a diferença salarial entre um administrador e um trabalhador a passar de 40 vezes em 1970 para 400 vezes hoje, como nota Kauffmann.
Dêmos crédito ao que os franceses dizem da América: o general Lafayette ajudou George Washington a arrancar a independência aos britânicos; e Tocqueville foi o primeiro a explicar o novo país através do seu Da Democracia na América.
Há um certo declínio que é culpa de outros, sublinham. Só por si a emergência da China trará o fim dos Estados Unidos como primeira potência económica no espaço de uma década. Mas a América conta com o prestígio do dólar, as melhores universidades continuam a ser as suas e o espírito inventivo mantém-se imbatível como mostra a Apple. Trunfo é ainda a diversidade cultural, reconhecem os franceses.
Então o que falha na América? O Partido Republicano, que nada tem que ver já com Lincoln, Teddy Roosevelt ou Bush pai. Moderados como a senadora Olympia Snowe são hostilizados. Em mais de 200 congressistas do partido só Joseph Cao votou pela reforma da Saúde proposta por Obama. E Mitt Romney, que como governador do Massachusetts antecipou as ideias do Presidente, promete revogar tudo se a 6 de novembro ganhar a Casa Branca.
Não tem desculpa o candidato republicano. Foi missionário mórmon em França e até pode ler o Le Monde. Mas traiu o seu passado de conservador esclarecido para agradar agora àqueles que na era de Bush filho, irritados com a crítica francesa à invasão do Iraque, até rebatizaram as “french fries” de “freedom fries”.
Assim a América está frita.
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