Obama dá passo arriscado
Barack Obama tornou-se o primeiro presidente americano a visitar Mianmar, antiga Birmânia, o pobre país asiático que até muito recentemente era considerado pária e que ensaia uma abertura política e econômica. O histórico acontecimento é a mais forte marca até aqui da mudança de estratégia dos Estados Unidos, sob a administração de Obama, para concentrar as atenções americanas na Ásia, com o objetivo de conter o imenso poder da China na região. Há sinais, porém, de que Obama, na ânsia de fincar a bandeira dos Estados Unidos na vizinhança chinesa, pode ter se precipitado, porque emprestou sua relevância como presidente americano, em pessoa, a um incipiente e ainda incerto processo de democratização.
A visita de Obama coincidiu com a transição de poder na China, o que amplifica possíveis tensões entre Pequim e Washington. A Casa Branca não faz segredo de suas intenções. Ao se aproximar de Mianmar e de outros países do Sudeste Asiático e da região do Pacífico, os Estados Unidos lhes oferecem uma alternativa à relação com a China, normalmente pautada pela presunção chinesa de que esses países são seu quintal. A aproximação vai muito além da diplomacia.
O Departamento de Defesa informou há alguns dias que os americanos pretendem aprofundar os laços militares com o Sudeste Asiático. “O foco dos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico é real, é sustentável e seguirá adiante por um longo período de tempo”, disse o secretário de Defesa, Leon Panetta. A presença militar americana deve crescer nas Filipinas e haverá mais exercícios conjuntos com a Austrália e a Nova Zelândia, países cujas relações com a China se ampliaram consideravelmente nos últimos tempos. Além disso, navios de guerra americanos aportaram no Vietnã, indicando a possibilidade de cooperação.
No campo político, os EUA têm se declarado a favor dos organismos multilaterais para a resolução de questões territoriais no Mar do Sul da China, um tema sensível em Pequim. O atual giro de Obama incluiu sua presença na Cúpula da Ásia Oriental, no Camboja, uma maneira de explicitar o apoio de Washington a países que se dispõem a contestar os chineses. Do ponto de vista econômico, a ofensiva americana se traduz na chamada Parceria Transpacífico, uma série de acordos regionais de livre comércio costurados sem a presença da China.
A aproximação com Mianmar aparece nesse contexto, mas também deve ser lida como uma forma de os EUA reafirmarem seu compromisso histórico de estímulo à democracia. A imagem da população de Mianmar com bandeiras americanas e largos sorrisos na recepção a Obama foi a demonstração mais evidente de que a liberdade, estimulada pela diplomacia americana, era ansiada naquele país, após décadas de uma feroz ditadura. No entanto, mesmo a líder oposicionista Aung San Suu Kyi, Prêmio Nobel da Paz em 1991, confidenciou a amigos que considerou a visita de Obama precipitada. O “processo democrático” em Mianmar é totalmente controlado pelos militares, que continuam a violar os direitos humanos e que encontraram maneiras de sujeitar a seus interesses a abertura econômica. Além disso, há uma série de sangrentos conflitos étnicos e religiosos que inviabilizam a organização de Mianmar como um Estado viável no futuro previsível.
Obama, porém, defendeu sua decisão de visitar Mianmar, dizendo que não se tratava de um endosso ao regime, e sim do reconhecimento de que há um processo de abertura impensável no país até bem pouco tempo atrás e que precisa ser apoiado pelo Ocidente – na esperança de que influencie outros países fechados na região, como a Coreia do Norte. Mesmo assim, ao estender a mão aos generais de Mianmar, encerrando a política americana de isolamento daquele país, Obama inaugura a diplomacia do seu segundo governo com a aproximação com um regime cujo compromisso com a democracia está muito longe de ser comprovado. Como mostrou a “Primavera Árabe”, o caminho para a transição democrática, principalmente em países com longo histórico de autoritarismo, não é uma linha reta.
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