Lutas imperfeitas (III)
Em reportagem, o Wall Jihad Journal deu uma medida do complicômetro do conflito do Iraque. Rebeldes sírios ao longo do espectro (de moderados a jihadistas do grupo Nusra) protestam contra sua exclusão da campanha contra os jihadistas do grupo Estado Islâmico e denunciam os bombardeios americanos e de seus aliados como convenientes aos interesses da ditadura de Bashar Assad (que combate com menos vigor o Estado Islâmico do que os demais rebeldes na guerra civil).
Entre os alvos americanos na semana passada, estava o grupo Khorasan, uma mutação da “venerável” rede Al Qaeda e que funciona como uma espécie de divisão internacional da Frente Nusra, focada na guerra civil e empenhada na derrubada de Assad. Mesmo grupos mais moderados têm afinidades operacionais com a Frente Nusra. Os índices no complicômetro dispararam. Agora, jihadistas da Frente Nusra estão aderindo ao Estado Islâmico e líderes dos dois grupos estão conversando sobre uma aliança contra inimigos comuns: Assad e a coalizão liderada pelos EUA.
Bota complicado nisso. Michael Young, no jornal libanês Daily Star, observa que os patronos de Bashar Assad, os aiatolás iranianos, assim como seus jagunços no campo de batalha, os milicianos do grupo xiita libanês Hezbollah, também estão preocupados. A mesma coisa com Vladimir Putin lá em Moscou. No raciocínio de Michael Young, a preocupação existe pois os ataques lançados pelos EUA e seus aliados contra o Estado Islâmico terão um desfecho lógico: mais pressão para uma solução política na guerra civil que leve à saída do poder de Bashar Assad.
Os americanos aplicariam na Síria a mesma lógica do Iraque. Vão concluir que somente um governo mais inclusivo em Damasco pode consolidar eventuais ganhos contra o Estado Islâmico. No Iraque, o objetivo é trazer a minoria sunita ao processo político, como parte essencial da estratégia para derrotar o Estado Islâmico, assim como impedir a desintegração do país (os curdos no Iraque se desvinculam cada vez mais do projeto nacional enquanto combatem o terror dos extremistas sunitas e, desconsolados, acompanham o quadro desolador dos curdos na Síria, alvos também do Estado Islâmico).
Obviamente, nunca será fácil diluir o componente sectário (sunitas x xiitas) nas encrencas do Oriente Médio. Na guerra civil síria, o foco saudita (líder do bloco sunita) é derrubar Bashar Assad, afilhado dos aiatolás, e não costurar uma solução inclusiva. No Iraque assediado pelo terror do Estado Islâmico, setores sunitas consideram esta barbárie mais tolerável do que uma coalizão de governo sob comando da maioria xiita. O homem de Teerã para as batalhas externas, Qassem Suleimani, chefe da Força Quds, da Guarda Revolucionária, deixou claro que a solução para combater o Estado Islâmico é a “solidariedade xiita”.
Na Síria, como lembra Michael Young, a jogada iraniana foi conseguir a fragmentação, única maneira de sobrevivência do regime de Bashar Assad, que pertence à minoritária seita alauíta, próxima dos xiitas. O grande responsável pelo quadro dantesco sírio é Bashar Assad. O Estado Islâmico é sintoma, não a causa. Outra causa sem dúvida foi a invasão americana do Iraque em 2003, que rompeu o status quo e fortaleceu os aiatolás em Teerã, com a queda do sunita Saddam Hussein, trazendo ao poder os xiitas em Bagdá. No entanto, se quisermos remontar às causas devemos ir às disputas pelo legado de Maomé no século 7?
O fato é que no presente existe este impasse na Síria, algo que, de acordo com Michael Young, pode “criar os elementos de um acordo mais amplo que vislumbre a remoção de Assad, oferecendo garantias a atemorizadas minorias no país”. No entanto Rússia e Irã são céticos sobre este acordo, calculando que será mais benéfico para os inimigos de Assad.
Um fator se contrapõe a este ceticismo. Barack Obama por muito tempo era avesso a envolvimento no lodaçal sírio (já usei atoleiro, estou variando), porque ele é para lá de sujo e escorregadio, mas agora o presidente enfiou o pé, a mão e os aviões. Para qualquer estratégia americana mais sofisticada contra o Estado Islâmico funcionar, será preciso descartar Bashar Assad. O plano, obviamente complica se o ditador sair fortalecido dos ataques contra o Estado Islâmico.
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