America and Iran: New Allies?

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Olhe-se bem para a foto de família tirada em Lausana e dissipam-se as dúvidas sobre a importância do Irão no plano internacional. Estão lá os ministros dos Negócios Estrangeiros dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, está a Sr.ª Mogherini, chefe da diplomacia da União Europeia, está também o ministro alemão, além, claro, de Javad Zarif, o iraniano. Os rostos mostram sorrisos, afinal foi conseguido um pré-acordo sobre o nuclear iraniano que salva a face a todos, desde a administração Obama até aos moderados do regime de Teerão. Não por acaso o New York Times saudou o acordado, também não por acaso houve gente nas ruas da capital iraniana a festejar aquilo que pode ser o princípio do fim das sanções que tornam a vida complicada a um país de 80 milhões, sobretudo com o preço do barril de petróleo em baixa.

Foi o secretário de Estado americano a liderar o processo, mas John Kerry tem muito a agradecer aos parceiros do 5+1, sobretudo aos colegas russo e chinês, que interessados em desafiar o mundo unipolar costumam tolerar a maioria dos desafios aos Estados Unidos. Desta vez, porém, Moscovo e Pequim alinharam com Washington na necessidade de travar as ambições nucleares de Teerão, concordando em dar luz verde à futura utilização civil desde que as inspeções internacionais garantissem que não haveria bombas. Neste acordo, o Irão compromete-se a não ir pelo caminho das armas e vai ao ponto de aceitar remodelar estruturas, como o célebre reator de Arzak. Tudo para tranquilizar os espíritos, com o mundo a saber que o enriquecimento de urânio será limitado aos níveis necessários para fazer funcionar uma central nuclear mas não para fabricar a tal bomba que só nove países do mundo possuem, um deles Israel, o maior crítico do acordo de quinta-feira.

Israel, tão discreto sobre o seu arsenal nuclear que não o assume, não esquece que o Irão tem um historial de financiamento a grupos como o Hezbollah e o Hamas. Também não esquece que o ex-presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, por várias vezes se referiu a riscar do mapa o “regime sionista”. E o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, recém-reeleito, tem baseado a sua carreira tanto na objeção a um Estado palestiniano como à denúncia do nuclear iraniano, a ponto de ter entrado em choque com Barack Obama, o presidente americano que ganhou o Nobel da Paz e que acredita que o seu legado diplomático se fará no Médio Oriente.

Não será só a Israel que este acordo com o Irão desagrada. Outro aliado tradicional dos Estados Unidos, a Arábia Saudita, suspeita de tal forma das intenções iranianas que em 2014 se tornou o maior importador mundial de armamento e mantém a opção nuclear em aberto. E no terreno uma disputa geopolítica que tem raízes étnicas (árabes contra persas) e religiosas (sunitas contra xiitas) ganhou nova frente no Iémen, com aviões sauditas a bombardear os rebeldes houthis, pró-iranianos.

É frágil a posição iraniana no Iémen, país no Sul da Península Arábica, demasiado longe de Teerão. Mas é sólida no Iraque, na Síria e no Líbano, onde conta com parceiros poderosos. Do lado oposto da barricada costuma estar uma fação que goza dos favores sauditas, país que aloja Meca e Medina, as cidades santas do islão, e cujo rei, Salman, reivindica uma legitimidade como líder do mundo muçulmano que os ayatollahs de Teerão contestam.

Que Obama tenha avançado para o acordo com o Irão contra a vontade de israelitas e sauditas (e também do Congresso americano), prova que o presidente que sucedeu a George W. Bush em 2009 tem perceção da história. E que ao contrário também do antecessor não ignora nem os especialistas do Departamento de Estado nem os académicos, pois não falta nos Estados Unidos quem perceba de Médio Oriente. Tivesse Bush filho ouvido mais os islamólogos e menos os neoconservadores e talvez o Médio Oriente fosse hoje um puzzle um pouco menos complicado.

Voltemos ao peso do Irão. É uma das mais velhas nações, herdeira desses persas que há 2500 anos lutaram contra os espartanos de Leonidas e mais tarde se associaram a Alexandre para criar um império extraordinário mas efémero. Cederam à islamização no século VII mas não trocaram nunca a sua língua pelo árabe. E com a dinastia Safávida oficializaram o xiismo como religião de Estado para se distanciarem do islão sunita que os rodeava, do Império Otomano a oeste às tribos beduínas a sul. Perante estes milhares de anos, os 36 da república islâmica soam a pouco. E a sociedade iraniana exige uma abertura que reforça moderados como o presidente Hassan Rohani e obriga ao compromisso conservadores como o guia supremo, Ali Khamenei. Uma abertura que não ponha em causa o prestígio do país, pois o nacionalismo é transversal aos iranianos e até quem critica o regime não discute que o Irão tem direito a tecnologia nuclear.

Há um historial de queixas entre americanos e iranianos, desde a CIA em 1953 a fazer cair o governo de Mossadegh até ao sequestro da embaixada americana em Teerão que só acabou em janeiro de 1981, passando pelos atentados contra os marines no Líbano por grupos apoiados pelos ayatollahs ou pelo derrube de um avião civil iraniano por mísseis americanos em 1988. Mas no tempo do xá, o Irão era visto como o gendarme da América no Médio Oriente. Já no pós–Obama, e dependendo de quem for o presidente, não estranhemos que uma surpreendente aliança de interesses se possa estabelecer entre o “Grande Satã” e a República Islâmica. O acordo nuclear é um sinal, a cooperação na luta ao Estado Islâmico na Síria e Iraque outro. Recorda-se quando Obama telefonou em 2013 a Rohani? E se despediu em farsi? É assim que se começa a mudar o mundo.

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