Facebook, Google and Politics

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O Facebook, o Google e a política

Pesquisas comprovam o poder de redes e buscadores de manipular a opinião pública sem esta se dar conta

Na capa da revista britânica The Economist da primeira semana de abril, Mark Zuckerberg posava como um César, com o globo terrestre a seus pés e a divisa Coniunge et impera, “conectar para reinar”, uma sagaz inversão da máxima atribuída a Filipe da Macedônia. A revista referia-se ao “domínio da próxima era da computação” e não a uma supremacia política literal, mas por que não? A informática deixou de ser apenas um setor da economia para se tornar a trama sobre a qual se constroem não apenas praticamente toda a produção, o comércio e as finanças, como também a cultura, a vida cotidiana e o poder do Estado.

Os funcionários de Zuckerberg percebem isso com clareza. Um mês antes de essa edição chegar às bancas, concluíam uma pesquisa de opinião interna sobre as questões a serem levadas ao debate semanal com o chefe. Uma delas era: “Qual a responsabilidade do Facebook em ajudar a prevenir que (Donald) Trump seja presidente em 2017?” Não se sabe como Zuckerberg respondeu, mas o vazamento da enquete pelo blog de tecnologia Gizmodo deflagrou um debate sobre o quanto o Facebook e o Google podem influenciar a política.

A manipulação de algoritimos com o conhecimento dos perfis de usuários permite controlar conexões e opiniões. (Reprodução)

A resposta é preocupante: podem, sim, mudar drasticamente os rumos de eleições, ao menos nos Estados Unidos não há mecanismo legal que os impeça e é difícil comprovar esse tipo de intervenção, mesmo depois de consumada.

Pode-se contar apenas com as promessas informais das empresas de não fazer isso, cujo valor é o mesmo daquelas de proteger a privacidade dos usuários.

Desde 2008, o Facebook tem incluído um botão “eu votei!” a cada dia de eleição nos EUA. Quando alguém clica nele, a mensagem é enviada com nome e foto a todos os amigos.

Em 2010, pesquisadores da Universidade da Califórnia concluíram que a campanha levou às urnas ao menos 340 mil, 0,6% da participação total. Em outro experimento, a rede incrementou a quantidade de notícias sérias no topo da linha do tempo de 1,9 milhão de usuários nos três meses anteriores às eleições de 2012 e com isso aumentou em 3% sua participação eleitoral. 

Bastaria a empresa usar os detalhados perfis dos usuários à sua disposição para identificar sua inclinação política, encorajar eleitores afinados com seus interesses e direcionar dicas de lazer e jornalismo de entretenimento aos contrários. Isso sem entrar no poder irrestrito da rede de promover ou excluir postagens e usuários sem ter de dar satisfações a ninguém e impor regras estritas e arbitrárias sobre quais conteúdos são aceitáveis. 

Nos EUA, 64% dos adultos usam a rede e 30% acessam notícias por meio dela, um público muito maior que o de qualquer jornal ou rede de tevê a cabo. No Brasil, oito em dez usuários da internet estão no Facebook. Hoje, as publicações que optaram por postar diretamente no Facebook recebem por meio dele 25% dos seus acessos.

Esses números só tendem a crescer e o objetivo de Zuckerberg é gradualmente eliminar as razões para buscar outros sites e isolar seus usuários do restante da internet, o que já é realidade para quem usa o serviço Free Basics ou internet.org, oferecido a vários países periféricos.

Sergey Brin e Larry Page têm mais poder sobre o eleitor que Zuckerberg. (Michael Nagle/ Getty Images/ AFP)

Ainda mais impressionante é o potencial do Google. A partir de 2013, os psicólogos Robert Epstein e Ronald E. Robertson conduziram experimentos cujos resultados foram publicados na edição de 18 de agosto de 2015 da PNAS, a publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

Inicialmente, fizeram eleições simuladas nos EUA, nas quais se deveria dar a opinião antes e depois de pesquisar sobre os candidatos com um buscador fictício. Em um experimento com 2 mil participantes de todos os 50 estados, obteve uma vantagem média de 37% para o candidato do topo, variando de 15% para “pessoas de partido político incomum” e 17,9% para “mulheres moderadas independentes” a 73% ent55ku,yl=

re “libertarians moderados” e 80% entre “republicanos moderados”. Em outro experimento, resultados de busca enviesados mudaram as opiniões sobre a validade do fraturamento hidráulico (técnica polêmica de extração de gás e petróleo) em 33,9%.

Faltava testar se essa manobra seria eficaz em uma eleição real, na qual os eleitores teriam acesso a outras fontes de informação e algum conhecimento prévio sobre os candidatos. Por razões imagináveis, não fizeram esse experimento nos EUA, mas nas eleições indianas de 2014, nas quais o fundamentalista hindu Narendra Modi derrotou os candidatos de centro-esquerda Rahul Gandhi e Arvind Kejriwal e se tornou primeiro-ministro. Os 2.150 eleitores manipulados receberam de 1 a 4 dólares pela participação. 

Houve grupos que se inclinaram contra o resultado do buscador, por exemplo, -11,8% para “mulheres conservadoras”, mas somaram apenas 3,1% da amostra e, mesmo com sua inclusão, obteve-se em média 12,3% de direcionamento do voto no sentido pretendido. Para os restantes, a distorção variou de zero para “mulheres empregadas sem ideologia política” a 72% para “homens desempregados de Kerala”, com uma média de 24,5%. Até mesmo os 0,5% que disseram desconfiar de manipulação tiveram seus votos enviesados. Tratou-se de uma busca única, mas e se um candidato fosse favorecido por semanas ou meses?

O Google, explica Epstein, tornou-se a principal porta de entrada do conhecimento e geralmente é bom em dar a informação procurada nas primeiras posições. Cerca de 50% dos nossos cliques vão para os dois primeiros itens e mais de 90% para os dez primeiros. Porque constantemente o usamos para checar fatos em buscas de rotina, condicionamo-nos a confiar nos primeiros resultados e descartar o restante como irrelevante ou duvidoso. 

Se a empresa quiser, pode usar seu banco de dados para identificar os prováveis indecisos (e também os que são “do contra”) e lhes fornecer classificações personalizadas para favorecer um candidato. Isso não apenas seria muito difícil de detectar, como legal. Não só o direcionamento como o direito de mantê-lo em segredo é protegido pela liberdade de expressão e imprensa garantida na Primeira Emenda à Constituição dos EUA.

Os pesquisadores estimam que, atualmente, o Google pode virar o resultado de 25% das eleições nacionais no mundo sem ninguém se dar conta. No caso dos EUA, onde a maioria das eleições presidenciais foram vencidas com margens de até 7,6% (3,9%, em 2012), Epstein estima que o Google poderia dar de 2,6 milhões a 10,4 milhões de votos – 2% a 8% do total provável – a Hillary Clinton, em segredo e sem deixar indícios. 

O pesquisador Robert Epstein diz que, se quisesse, o Google daria a Hillary Clinton de 2,6 milhões a 10,4 milhões de voto. (Dan Taylor/ Heisenberg Media)

Pode haver quem pense que nesse caso o fim justifica os meios, mas o poder do Vale do Silício de decidir resultados eleitorais e a “verdade” sobre temas de interesse público deveria nos preocupar ainda mais do que o risco de um governo Trump. Assim como os shopping centers se dão o poder de ditar regras privadas a espaços de convivência que substituem praças e parques de forma a excluir manifestações coletivas ou mesmo a presença de quem considere indesejável, redes e buscadores privatizam o espaço do debate público para lhe impor suas próprias regras.

Se é questionável um grande jornal negar espaço a um tema, candidato ou corrente de opinião, é muito mais grave essa política partir de uma rede ou buscador dos quais cada vez mais usuários dependem para tomar conhecimento do que diz a mídia. Ainda pior quando a mesma rede conhece o perfil político e social de cada usuário e pode lhe dar ou negar informações conforme convier a seus interesses privados. Em um futuro muito próximo, nenhuma democracia será real se redes, buscadores e demais meios de conexão não estiverem sujeitos a fiscalização e escrutínio públicos. Coniunge et impera.

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