The Political Lessons of ‘Star Wars’

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As lições políticas de “Guerra nas estrelas”

Diante de Brexit, Donald Trump, Vladimir Putin e dezenas de outros demagogos populistas, a sensação é estarmos nas cenas finais de “O Império contra-ataca”

O cenário político não anima? Hora de rever Guerra nas estrelas (ou Star Wars, se preferir…). Está tudo lá. Uma República dilacerada entre facções que não conseguem fazer o governo funcionar – lembra algum país? Uma federação comercial às voltas com uma rebelião de sistemas estelares, fartos de burocracia e falta de segurança – lembra algum continente? Uma galáxia progressivamente manipulada por um líder carismático que usa as divergências para concentrar poderes sobre um Império – lembra alguém? Diante de Brexit, Donald Trump, Vladimir Putin e dezenas de outros demagogos populistas, a sensação é estarmos nas cenas finais de O Império contra-ataca. A estrela da morte vai sendo reconstruída aos poucos e, mais uma vez, o risco da tirania assombra, ameaça voltar sob os aplausos da população, nos braços de um líder carismático. Quem assiste à série com atenção percebe a hesitação que os dois lados da Força – ela mesma, com maiúscula – causam nos personagens e na plateia. O imperador Palpatine ou Darth Vader são o caminho para restaurar a ordem autoritária em meio ao caos rebelde. “Parte da tensão dos filmes deriva do apelo inequívoco de um líder forte, que pode unir o povo e resgatá-lo do caos”, escreve o jurista Cass Sunstein, da Universidade Harvard, no recém-lançado The world according to Star Wars (O mundo segundo Star Wars). “Líderes poderosos de todos os tipos insistem que é isso que estão fazendo; Vladimir Putin é um exemplo e, em 2015 e 2016, a candidatura surpreendente de Donald Trump à Presidência reflete algo similar.”

Sunstein é um nome festejado na intelectualidade americana. Tanto que o lançamento de seu livro foi objeto de uma reportagem do New York Times no caderno de moda e estilo, tamanha a lista de celebridades que compareceram – do investidor George Soros ao ex-secretário de Estado Henry Kissinger. No primeiro governo do presidente Barack Obama, Sunstein ocupou um cargo de confiança na Casa Branca, onde formava com a mulher, Samantha Powers – hoje embaixadora dos Estados Unidos na ONU –, uma espécie de casal 20 na elaboração de propostas de governo. Num livro anterior, escrito com o acadêmico Richard Thaler, o best-seller Nudge – O empurrão para a escolha certa, ele defende que o Estado adote políticas públicas que, sem limitar a liberdade de escolha, estabeleçam uma arquitetura de decisões que favoreça o bem coletivo. Um exemplo é impor a redução no tamanho dos copos de refrigerante para combater a epidemia de obesidade – não há restrição alguma à liberdade de alguém beber mais se quiser, mas a experiência mostra que o consumo de açúcar cai, e há um benefício para a saúde pública.

Da série Star Wars, Sunstein extrai em seu novo livro lições de ordem política e pessoal. Ele organizou o texto em dez “episódios”, divididos em três temáticas: 1) por que a série faz tanto sucesso; 2) seus múltiplos significados e interpretações; e 3) três tópicos recorrentes – paternidade, redenção e liberdade. Na prática, a leitura funciona como um passeio aleatório, capaz de agradar tanto aos aficionados fanáticos quanto apenas aos curiosos para entender por que a série fascina tanta gente. A análise do conflito e da reconciliação de Anakin e Luke Skywalker e o relato sobre a paternidade e a redescoberta de Guerra nas estrelas com o filho emocionam qualquer um que, como eu, tenha um filho de 6 anos. Mas é na interpretação política e jurídica que Sunstein dá sua contribuição mais original. O tema central da série, diz ele, é a liberdade de escolha. Mesmo aqueles que seguem o lado escuro da Força, como o Anakin transformado em Darth Vader, o fazem por escolha própria. “Luke é confrontado com as mesmas questões e praticamente as mesmas cenas que Anakin”, escreve. “Anakin diz sim e Luke diz não.”

“Destino, profecias e a mitologia são apenas ruí¬dos de fundo”, diz Sunstein. O importante são as decisões tomadas pelos personagens quando estão na encruzilhada. Escolher um caminho ou outro pode ter importância para todos. A arte de George Lucas está em retratar à perfeição como a política resulta dessas escolhas individuais. “Quaisquer que sejam suas convicções políticas, e onde quer que você viva, é provável que veja um Imperador de algum tipo, e que tenha simpatia pelos rebeldes da Resistência”, diz Sunstein. “Seu professor ou chefe podem parecer um Imperador. Talvez o líder de seu país lembre Palpatine; talvez a oposição pareça a Resistência.” O lado escuro, a ordem autoritária centralizadora, exerce atração sobre todos nós. Mas temos a liberdade para resistir – e o coração de Lucas está com a liberdade, não com a tirania das massas. Em suas próprias palavras: “Cada um de nós tem a escolha de ser ou não ser um herói cada dia da vida. Você pode ajudar alguém, ter compaixão para com as pessoas, pode tratá-las com dignidade. Ou não”.

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