Por que os norte-americanos desconfiam dos políticos?
26 Agosto 2016 | 20h44
Fernanda Magnotta e João Ricardo Costa Filho*
Parece haver uma sensação de esgotamento por parte da sociedade norte-americana com relação à classe política dos EUA. Não à toa, candidatos como Bernie Sanders e Donald Trump ganharam tamanha projeção nas eleições deste ano após terem sido interpretados como alternativas ao establishment.
Não estamos falando simplesmente do nível de popularidade dos políticos. É mais grave do que isso: tem a ver com a credibilidade do sistema. Dados do Pew Research Center, por exemplo, mostram que em menos de 60 anos, o grau de confiança no governo despencou nos EUA, passando de 73% em 1958, durante a administração Eisenhower, para apenas 24% na administração Obama – que chegou, inclusive, a atingir a maior baixa intermediária da série histórica (10%) em 2011.
É verdade que a queda foi progressiva e mais acentuada durante a Guerra do Vietnã (entre os governos Johnson e Carter), quando passou do pico de 77% para apenas 25%, e que no período posterior houve momentos pontuais de reversão desta tendência (como em Reagan e Clinton). Apesar disso, a perda de prestígio dos governos ao longo das últimas décadas parece sintomática, em geral, e no governo Obama, em particular.
Afinal, o que aconteceu? O que explica esse movimento? As razões certamente são muitas. Para nós, no entanto, parece razoável destacar a percepção dos norte-americanos em relação à deterioração de sua qualidade de vida como uma hipótese a ser testada.
Do ponto de vista estrutural, a insatisfação pode estar atrelada à dinâmica econômica e social, já que ao longo dos últimos 30 anos os norte-americanos viram o grau de desigualdade crescer no país. Segundo dados da OCDE, os EUA passaram de 0,31 (em 1980) para quase 0,40 (em 2013) na escala de Gini, um coeficiente que varia de zero a um e que costuma ser referência no assunto. Em uma sociedade pautada pelo princípio do self made man, a mera percepção da falta de igualdade de oportunidades pode gerar um desconforto que é projetado naqueles que supostamente deveriam zelar por esses valores.
Além disso, desde o final da década de 1980, a tendência do PIB por domicílio tem sido positiva, mas a renda mediana domiciliar não seguiu a mesma trajetória. Assim, abre-se um hiato entre a geração de renda e a apropriação desta pelos trabalhadores, o que pode acumular mal-estar e desencadear insatisfação. Neste mesmo sentido, o país tem registrado queda progressiva no World Happiness Report, um ranking publicado anualmente pela ONU, que qualifica a compreensão da sociedade sobre sua própria realidade em aspectos como PIB per capita, expectativa de vida, nível de liberdade para fazer escolhas, corrupção, entre outros.
Do ponto de vista conjuntural, por sua vez, a maior crise financeira desde a Grande Depressão pode ter deixado marcas que também afetam a dimensão política. A recuperação dos EUA, que em um primeiro momento parece ter engrenado, mostra-se menos sólida quando trabalhamos os dados com maior acuidade.
A taxa de desemprego caiu bastante, mas em grande parte pela baixa participação no mercado de trabalho, que voltou ao nível do início dos anos 1980. Ou seja, há menos desempregados porque algumas pessoas simplesmente deixaram de procurar emprego (e, portanto, ao não participarem do mercado de trabalho, não são tecnicamente consideradas desempregadas). Ademais, há que se considerar também um segundo fator: a composição da recuperação. A geração de empregos no pós-crise pode ter sido de pior qualidade. Trabalhos de período integral podem ter sido trocados por tempo parcial, o que diminui o desemprego, mas também a satisfação. Isso tudo sem considerar os impactos causados pelas duas guerras empreendidas no Oriente Médio e modificações em programas como o sistema de saúde.
Diante de questões urgentes do dia-a-dia, o cidadão comum vê-se em meio a uma escolha que, por um lado o faz entrar em contato com aqueles que há muito vêm desapontando, e por outro, são cruciais para que algo de concreto seja alterado. Esse contraste inflama o já polarizado debate e deixa os ânimos ainda mais acirrados. Estaríamos de volta aos anos 1980?
*Fernanda Magnotta é professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI) da UNESP
**João Ricardo Costa Filho é professor do curso de Ciências Econômicas da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Mestre em Economia de Empresas pela Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/EESP) e doutorando pela Universidade do Porto (Portugal)
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