A construção da imagem de presidentes dos Estados Unidos como pessoas comuns
De Kennedy a Obama, a estratégia de mostrar presidentes americanos como poderosos, mas normais, se recicla
Pelos costumes locais, presidentes dos Estados Unidos submergem quando deixam a Casa Branca. Diferentemente dos brasileiros, os americanos não dão palpites sobre o governo do sucessor, não almejam cargos, somem da política. Barack Obama cumpre esse rito, mas há na praça um saudosismo precoce de sua figura. Sua imagem não some das vistas do público – em parte com a ajuda de seu sucessor, Donald Trump. A toda hora lá está Obama em situações simpáticas, que destoam das caretas de Trump.
Parte dessa imagem solidificada de presidente “gente boa” de Obama vem da obra de Pete Souza. Fotógrafo oficial da Presidência por oito anos, Souza é conhecido por ter dado um ar menos formal a Obama, registrando o primeiro presidente negro não só no papel de líder mais poderoso do mundo, mas em situações comuns, como passeios com as filhas, dançando com a esposa, Michelle, ou brincando com bebês. É uma iconografia que, ao abrir espaço para o informal, quebra o domínio das imagens de encontros políticos e apresenta o poderoso para além das situações de sua competência.
Esse mesmo tipo de narrativa já havia sido usado para John Fitzgerald Kennedy (1961-1963). Coincidentemente, nas últimas semanas foram divulgadas novas fotos de Kennedy nos anos 1960 por seu fotógrafo oficial, Jacques Lowe (1930-2001). Se Obama foi o primeiro negro, Kennedy foi o mais jovem presidente americano – e ainda era rico e formava um belo casal com Jacqueline. Quem não reconhece a doce foto do menino John John brincando embaixo da mesa de trabalho do pai no Salão Oval? (foto de Stanley Tretick) Ou posando de adulto, batendo continência no funeral do pai? Ou da primeira-dama, Jacqueline, brincando com os filhos? Lowe mostrava Kennedy como um presidente humanizado, não um líder inquebrável; uma representação que o aproximava mais da população, estabelecia um ar de intimidade e aceitação. A iconografia de Lowe para Kennedy é a de Souza para Obama, mais de 50 anos mais tarde.
Essas imagens não são inocentes. Diferentes ideologias usaram a fotografia como instrumento para a veiculação de ideias e a consequente formação e manipulação da opinião pública, particularmente a partir do momento em que os avanços tecnológicos possibilitaram a multiplicação maciça das imagens nos meios de informação. Quando falamos da fotografia oficial, feita para dar certa visibilidade a um governo, falamos também de uma fotografia de propaganda, especificamente a política. Sua estética é próxima à de uma fotografia jornalística e, por isso, nos “engana”. Não a percebemos como a publicidade que é, mas como narrativa factual.
É necessário refletir que, ao criar uma representação pela qual a maior parte das pessoas vai reconhecer seu presidente, falamos de construção de memória. Assassinado no exercício do mandato em 1963, Kennedy entrou para o imaginário popular como um presidente moderno, pai atencioso e vítima. Publicamente, seu governo ficou em segundo plano. A imagem de descolado de Obama, o primeiro presidente a usar redes sociais, melhora à medida que a de Trump desagrada. Boa parte dessa imagem pública de Kennedy e Obama vem de fragmentos marcados em nossas mentes, pedaços rasgados de um momento político, poses efetuadas diante da câmera ou buscadas pelos olhares direcionadores de Jacques Lowe e de Pete Souza.
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