2017 – o ano de Trump
O mundo mudou por virtude da eleição de Trump? Ou o surgimento de Trump é igualmente consequência do estado do mundo e dos efeitos que isso teve na potência que, no Ocidente, nos habituámos a ver liderá-lo?
Seria Trump plausível, como escolha presidencial, se acaso fossem outros os equilíbrios prevalecentes à escala interna americana e no plano global?
O mundo exterior não viu chegar Trump. Acordou tarde para o que lhe pareceu ser uma caricatura grosseira e de protesto de uma certa América “enraivecida”, marginalizada face às consequências da partilha do progresso e excluída pela aceleração da modernidade produtiva. Confiou em que, tal como sempre acontecera no passado, os Republicanos acabariam por escolher alguém da sua elite para representar também essa “América profunda”, que era conhecida dos filmes mas que nunca ninguém acreditou que pudesse ser projetada no poder em Washington.
O tal mundo de fora não se preparou para que essa América chegasse algum dia à Casa Branca. Em especial, nunca acreditou que isso viesse a acontecer imediatamente após um presidente que, como ninguém, havia simbolizado a consagração da emancipação étnica, um sonho de esperança que fora de Lincoln a Luther King. Nunca, depois desse mito que se chamou John Kennedy, o mundo fora tão maioritariamente adepto de um chefe de Estado americano como o foi de Obama, um homem que assumiu um discurso humanista, recheado dos melhores valores e que saía da função presidencial com uma notável taxa de aprovação.
A surpresa, contudo, não parou aí. A América que comandara a criação do modelo institucional multilateral, que fora a campeã do livre mercado, que desenvolvera no seu seio todo o arsenal teórico do capitalismo, essa mesma América surgia agora com reflexos de potência temerosa, cheia de tiques protecionistas, oposta aos acordos de livre comércio que desencadeara, acossada pelo poder económico-financeiro da China, desdenhosa da Europa cuja união ajudara a promover. O isolacionismo não era, por ali, um reflexo novo, mas o modo como surgiu foi inédito. É que, por algum tempo (pouco), essa América chegou mesmo a colocar em causa o seu papel de líder da segurança ocidental, mostrando uma bizarra afeição a um poder iliberal e autoritário como era o da Rússia de Putin.
Por todas as más razões, não podemos fugir a uma conclusão: o ano de 2017 é o ano de Trump. É que, mesmo como um poder negativo, os EUA continuam a sobredeterminar a agenda global. Tendo feito desaparecer a expetativa de reforço dos mecanismos comerciais multilaterais, nomeadamente na área comercial e ambiental, lançando um desafio inédito ao trabalho da ONU, incendiando o Médio Oriente – com o acicatar da Arábia Saudita, a desconfiança sobre o compromisso nuclear com o Irão e, agora, com a decisão sobre Jerusalém -, alimentando uma linguagem jingoísta sobre a Coreia do Norte, mantendo uma estranha ciclotimia na relação com a China, os Estados Unidos parecem apostados em inverter aquele que parecia ser o seu lema de interesses do passado: serem respeitados e não temidos. Além disso, Washington introduziu um inédito fator de incerteza e imprevisibilidade na projeção internacional do seu poder, atitude que está muito mais próxima da dos regimes autoritários do que de uma das mais afirmadas democracias históricas do mundo. Basta observar o caráter desorientado de Londres e de Berlim, dois aliados tradicionais, para se perceber como se romperam profundamente os equilíbrios de confiança.
Nestas ocasiões, costuma haver estratégias alternativas, mas o facto é que não parecem surgir ideias brilhantes para ultrapassar este estado de coisas, salvo esperar por um improvável “impeachment” ou por uma não reeleição de Trump, a qual, aliás, não é implausível. Estamos assim perante um ambiente confinado a um mero controlo de danos, dos quais, sejamos justos, os Estados Unidos são a primeira vítima.
Com Trump, 2017 foi um ano complexo para o mundo. Especular como teria sido com Hillary Clinton na Casa Branca não deixaria de ser um exercício interessante, porque há também muitos que pensam que a agenda da candidata derrotada trazia riscos sérios no quadro europeu, no relacionamento com a Rússia, que poderiam ter conduzido a consequências dramáticas. Pode ser que sim, mas o sentimento maioritário parece ir no sentido de considerar que pior do que Trump seria impossível.
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