Perdoem-me o título digno de Miss Universo, mas não precisam de mim para bater em Donald Trump. Não há jornal ou televisão que se esqueça de nos informar o quanto Trump é detestável, mentiroso, irascível, impreparado para o cargo, mal-educado, traidor dos valores americanos e absolutamente repugnante. Não contesto nada disso, com excepção do “traidor dos valores americanos”, porque Trump representa uma parte significativa da América — parte essa, aliás, que continua muito mal compreendida. Por isso, em vez de me juntar à multidão de haters, parece-me mais produtivo assinalar o primeiro aniversário de Donald Trump na Casa Branca recordando aquilo que lhe devemos: a repolitização da sociedade americana, a ressurreição dos jornais, os melhores programas de humor do mundo, o envolvimento de cada vez mais gente no combate político e nas lutas sociais, e até a tomada de consciência, por parte da Europa, de que a defesa dos valores ocidentais não pode ser abandonada nas mãos de um qualquer inquilino da Casa Branca.
Não é coisa pouca. Ontem este jornal apresentava uma entrevista com Jessica Bennett, editora de Género do New York Times, que afirmava: “Trump galvanizou as mulheres de uma forma nunca antes vista.” A Marcha das Mulheres, que no passado fim-de-semana voltou a encher as ruas de 250 cidades em todo o mundo, é a prova dessa mobilização. Mas Trump fez mais. O próprio New York Times aumentou as suas subscrições em 60% entre Setembro de 2016 e Setembro de 2017, para 2,5 milhões de assinantes. As acções da empresa detentora do jornal subiram 41% no decorrer de 2017. A CNN anunciou que no ano passado o canal teve maior audiência desde a sua criação, em 1980. Stephen Colbert, o mais aguerrido humorista americano no campeonato “Tiro-ao-Trump”, conseguiu aquilo que parecia impossível: tornar o The Late Show no programa mais visto da televisão americana no seu segmento, destronando o bem menos politizado Tonight Show de Jimmy Fallon. Colbert ganhou 600 mil espectadores (de 2,9 para 3,5 milhões) desde que Donald Trump venceu as primárias republicanas. O mesmo sucesso calhou a Alec Baldwin quando começou a fazer de Trump no Saturday Night Live (interpretação com direito a Emmy e tudo): a cabeleira loira e o lábio subido bateram recordes de audiência. Donald Trump vende — e muito. Ele é o maior amigo dos seus inimigos. Ele é o homem que nós amamos odiar.
O mundo da política tem uma costela taoista: mal e bem, positivo e negativo, yin e yang, são menos categorias opostas do que complementares, vivendo numa dinâmica permanente, de influência mútua. Claro que ver Donald Trump fazer piadas com o tamanho do seu botão nuclear causa arrepios, mas se ele se aguentar mais três anos sem provocar demasiados estragos pode ser que o legado da sua presença à frente do país mais poderoso do mundo possa ser melhor do que poderíamos imaginar. Isto não significa, de todo, que devamos ser mais complacentes em relação a ele. Embora haja com frequência exageros ridículos e formas muito pouco equilibradas de noticiar as suas acções, o que sugiro é o contrário disso: a capacidade de uma sociedade permanecer alerta, sem se deixar anestesiar pela sua postura de bully, é uma enorme demostração de vitalidade política e de espírito de cidadania. Nesse sentido, Donald Trump está a cumprir uma promessa: a América está, de facto, great again, graças à forma como tem sabido resistir civilizadamente a um Presidente inimaginável.
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