They’ll Pretend They Didn’t See the ‘Drag Kid’

 

 

 

 

 

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Eles vão fazer de conta que nunca viram o drag kid

O activismo, que na sua ciclotimia folclórica se tornou um prolongamento dos desfiles de moda, é na sua intolerância o continuador dos totalitarismos que nos sufocaram ao longo do século XX.

Eles riem. Fotografam. Outros escrevem sobre o glamour do drag kid. Sim, o miúdo da foto tem dez anos e de cima da sabedoria desses dez anos apresenta-se como drag kid e activista LGBTI.

A imagem desta criança-drag kid é tão chocante quanto a dos meninos-soldados em África. Ou a das meninas-noivas na Índia. Mas para lá do choque há algo de profundamente obsceno nas fotos deste desfile da New York Fashion Week. E não, não é o miúdo que é apenas um miúdo que devia estar em casa ou na rua a brincar com outros da sua idade. O que revolta, o que enoja são os adultos. Esta gente não pensa? Não têm irmãos? Filhos? Sobrinhos?…

O desfile em que participou Desmond Napoles (assim se chama a criança em causa) aconteceu no mesmo país, os EUA, e ao mesmo tempo que se vive arrebatadamente a última tendência do momento: o MeToo, o qual em nome do combate ao machismo persegue qualquer um que questione os fundamentos das teorias de género.

Poderia pensar-se que num tempo em que se esquadrinham museus, cinematecas, livros e discursos do passado em busca de sinais de machismo e exploração sexual, numa grotesca operação de revisionismo e reescrita da História, se teria um mínimo de atenção para outras e bem contemporâneas manifestações desses males, para mais quando está em causa uma criança.

Mas não. O estardalhaço da cruzada contra os abusos reais (e imaginados) sobre as mulheres perpetrados por homens heterossexuais, de preferência brancos, convive com o silenciamento da violência noutros grupos étnicos e com os aplausos à violência subjacente ao espectáculo do drag kid ou à existência de barrigas de aluguer. Sim, porque não foi apenas o produtor Harvey Weinstein que usou o poder e o dinheiro que tinha para abusar e vexar mulheres. O que fazem mulheres como Sarah Jessica Parker ou Sofia Vergara ao encomendar filhos a outras mulheres senão abusar do seu poder perante elas?

Aliás não percebo como se acha natural andar muito sovieticamente a substituir imagens de um actor acusado de assédio – Kevin Spacey – por outro – Christopher Plummer, tanto quanto sei por enquanto ainda não acusado de nada mas admito que até acabar de escrever este artigo ele poderá entrar no índex – e ao mesmo tempo manter nas colunas das trivialidades o enredo que parece tirado de um filme de ficção científica em que Sofia Vergara se enredou quando optou por recorrer a uma barriga de aluguer? Ou será que o abuso quando cometido por mulheres, que para mais protagonizam séries tidas como “avançadas”, é subestimado?

Na realidade a selectividade da indignação é indissociável desse totalitarismo dos tempos modernos a que chamamos progressismo-activista. É assim um pouco por todo o lado e essas aparentes contradições já enchem uma caderneta de cromos: são os sempre disponíveis para criticar a actuação das polícias mas que na verdade não se confrontam com assaltos porque não frequentam os comboios suburbanos e vivem em zonas ricas, quando não em condomínios fechados (conheço alguns destes cromos em Portugal). São os militantes da escola pública que colocam os filhos nos colégios privados, de preferência estrangeiros, para não haver qualquer possibilidade de convívio com os filhos do povo.

São os defensores da multiculturalidade que nos dizem que não só temos de tolerar tudo como também que aqueles a quem tudo toleramos têm o direito de nos impor os seus valores mesmo que entre esses valores se contem o casamento forçado, a discriminação sexual e o racismo.

São os indignados com as armas que só se indignam se a arma em questão tiver balas e for usada nos EUA (de preferência durante uma administração republicana), pois se se tratar de um ataque com faca em Londres ou em França não só não há indignação alguma como referir o assunto, mesmo omitindo a identidade das vítima e dos agressores, dá direito a que aqueles que o fazem se vejam no papel que se esperaria reservado aos agressores, pois o progressismo-activista nunca responde por contraposição de factos ou ideias mas sim por acusação reflexa: quem questiona a eficácia e o alcance das quotas para mulheres ou minorias étnicas torna-se automaticamente machista e racista; quem diz que as crianças independentemente de serem criadas por dois homens ou duas mulheres terão sempre um pai e uma mãe logo passa a homofóbico…

O activismo, que na sua ciclotimia folclórica se tornou uma variante da primeira fila dos desfiles de moda, é na sua intolerância o continuador daqueles que em nome do comunismo e do fascismo impediram e impedem a discordância e continuam a lutar pelo controlo da opinião. Ou mais precisamente continuam a lutar por aquilo que sempre os interessou – o poder. O poder de controlar os outros. Tanto dá que seja com milícias, grupos de indignados ou polícias. Tudo isso já vimos e voltaremos a ver se lhes dermos possibilidade. Agora estão na fase das comissões – gente que se instalou no Estado e que de um dia para o outro descobrimos andar a vasculhar o que cada um pensa e diz. Pedem penas e multas. Dado o medo que o comum dos mortais tem de se tornar a próxima vítima desta turba ululante e dos burocratas que apoiados nela impõem o silenciamento a reacção normal é esperar que lhes passe. Ou, melhor dizendo, que partam para outro assunto. Porque eles nunca mudam no seu modo de actuar. Apenas muda o poder que se lhes dá e o alvo que escolhem.

Por tudo isto não duvido que um dia vão olhar para as fotos desta New York Fashion Week e gritar “horror”. Logo arranjarão um bode expiatório. Vão acusar a torto e a direito. Arranjar mais uma lei, mais uma comissão, mais uma regulação… E quando dermos por nós já nem as crianças poderemos levar mascaradas aos desfiles de Carnaval. E eles, aqueles que agora acharam um avanço o drag kid, desfilarão nos Emmys desses anos, quiçá com os seus filhos simplesmente vestidos de crianças, e ai de quem não levar os rebentos devidamente ataviados à passadeira vermelha. Por cá estou em crer que apostarão em tornar-se funcionários de uma novíssima comissão como tantas outras destinada a regulamentar em nome do combate a não sei quê as multas a atribuir a quem deles discordar.

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