Para lidar com a China, Bolsonaro tem um instrumento nas mãos Apesar da aproximação aos EUA, fortalecer a atuação do Brasil nos Brics faria sentido para o novo governo Jair Bolsonaro prometeu uma revolução na política externa, e as primeiras semanas de seu governo indicam que liderará a mudança mais radical na história das relações internacionais do Brasil, rejeitando muitos dos pilares da tradição diplomática do país. Um alinhamento completo com os Estados Unidos de Trump é a peça central da nova política externa brasileira, com consequências diretas em todas as suas áreas, como fóruns multilaterais, negociações sobre o clima, defesa e conflito Israel-Palestina, nas quais Bolsonaro deverá vir a emular o posicionamento de Trump. Considerando essa mudança inédita, alguns tentarão convencer o presidente de reduzir a participação do Brasil no grupo BRICS (formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ou sair dele completamente, argumentando que se trata de mais uma iniciativa petista que merece ser descartada. O chanceler Ernesto Araújo questiona a utilidade do grupo e alega que o Brasil deve buscar laços mais estreitos com países como Israel, Itália, Polônia e Hungria. De fato, considerando que as intensas tensões entre os Estados Unidos e a China são o novo normal – muitos já falam de uma “nova Guerra Fria” – o alinhamento incondicional de Bolsonaro a Trump pode reduzir o escopo de cooperação nas iniciativas lideradas pelos BRICS. Da mesma forma, o mal-estar criado em Pequim pela retórica anti-China de Bolsonaro durante a campanha ainda não foi superado, e os recentes ataques de eleitores de Bolsonaro e de Olavo de Carvalho contra parlamentares do PSL que visitam a China sugerem que a cooperação com Pequim poderá ter significativo custo político. Reduzir a participação no BRICS, porém, seria uma oportunidade perdida para o novo presidente. Ao contrário, faria mais sentido para seu governo fortalecer sua atuação no bloco para alcançar seus objetivos principais de política externa: ganhar o respeito de Trump e renegociar a relação bilateral com a China. Diferentemente do que o chanceler Ernesto Araújo parece acreditar, o Brasil não vai ganhar o respeito de Trump expressando admiração incondicional, como Eduardo Bolsonaro fez durante sua primeira viagem recente a Washington. O presidente dos EUA é conhecido por exigir lealdade absoluta e oferecer nenhuma em troca. Trump tem pouco interesse ou incentivo para criar a parceria de longo prazo com a qual sonha o ministro das Relações Exteriores do Brasil. A decisão de Trump de não comparecer à posse de Bolsonaro e enviar apenas o secretário de Defesa, Mike Pompeo, demonstra como será difícil estabelecer laços fortes entre o presidente brasileiro e seu ídolo norte-americano. Em novembro, Bolsonaro terá oportunidade única de se projetar como estadista globalmente relevante quando sediar a 11ª Cúpula dos BRICS. Ele receberá os líderes da China, Índia, África do Sul e Rússia, além da maioria dos presidentes da América do Sul. Será uma das cúpulas mais relevantes das relações internacionais em 2019 e muito provavelmente o maior evento diplomático do primeiro mandato do presidente. Isso torna Bolsonaro muito mais interessante para Trump do que um fiel cãozinho de estimação, tal como Araújo e Eduardo Bolsonaro acabam por projetá-lo. Ademais, preocupar-se com a ascensão da China não é motivo para deixar o grupo dos BRICS – na verdade, todos os outros membros do bloco – Índia, Rússia e África do Sul – compartilham muitas das preocupações do Brasil em relação ao tema. A Cúpula Presidencial anual do BRICS e as numerosas reuniões ao longo do ano – entre ministros da Educação, Meio Ambiente, Defesa e assim por diante – proporcionam acesso privilegiado aos líderes políticos chineses, oferecendo uma plataforma única para defender os interesses do Brasil em relação à China. O que muitos críticos do BRICS não percebem é que as reuniões do bloco não se limitam a alinhar ideias, mas também oferecem ao Brasil a oportunidade de influenciar Pequim. Em vez de rebaixar os BRICS, Bolsonaro poderia pensar em coordenar com o premiê indiano, Modi; o presidente russo, Putin; e o presidente sul-africano, Ramaphosa, uma estratégia conjunta para pressionar Pequim em relação ao que os quatro países querem da China. Seria um erro acreditar que a ideologia de Bolsonaro difere muito da de alguns de seus pares no grupo dos BRICS. Modi e Putin são ambos nacionalistas de direita, que adotam uma retórica chauvinista conservadora e de tom religioso que deixaria Ernesto Araújo à vontade. O Brasil é o único país dos BRICS onde a cooperação Sul-Sul é considerada, incorretamente, uma ideia de esquerda. Ocupando a presidência temporária do grupo dos BRICS neste ano, Bolsonaro tem a oportunidade promover debates sobre temas que preocupam seu governo: defesa, política antidrogas, redução do crime e antiterrorismo. Em algumas dessas áreas, outros países do BRICS têm larga experiência, e o Brasil pode aprender com eles – em particular quando se trata de antiterrorismo, importante para o país se Bolsonaro vier de fato a transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém. Por fim, independentemente da orientação ideológica de seu presidente, qualquer país no mundo hoje – mesmo aqueles críticos a Pequim — precisa ter o conhecimento necessário para lidar com a China, que caminha para ser em breve o centro econômico do mundo. Com o grupo BRICS, o Brasil já tem a vantagem de ser parte de uma plataforma institucionalizada que facilita a adaptação a essa nova realidade. A importância geopolítica do bloco hoje é maior do que nunca. A 11ª Cúpula dos BRICS ocorrerá em meio a uma profunda incerteza sobre o futuro da ordem econômica global. Isso cria uma oportunidade para o BRICS – e o Brasil nele – assumir um papel mais proeminente. Oliver Della Costa Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGVAbout this publication
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