Para que serve um impeachment, se Trump está 100% a salvo?
Watergate era uma palavra mágica para qualquer estudante de jornalismo no final dos anos 80, talvez ainda hoje. Na verdade, é uma palavra mágica para qualquer admirador da democracia americana, com jornais capazes de denunciar até o todo-poderoso presidente Nixon e um Congresso disposto a puni-lo (por mandar espiar o partido rival ou pelo menos por ter tentado encobrir o crime).
Nixon era republicano e com um currículo impressionante, até tinha transformado a China em aliado da América contra os soviéticos. Mas na hora do impeachment, os democratas contaram com o apoio de muitos republicanos. A honra do sistema estava acima das lutas partidárias e Nixon, percebendo isso, acabou por se demitir e em 1974 nem houve voto de destituição.
Qualquer semelhança entre o escândalo Watergate e o atual impeachment a Trump é, pois, mera coincidência. Desde a eleição surpresa em 2016 do magnata recém-convertido às cores republicanas, os democratas ameaçam com um processo de destituição. Apostaram que encontrariam alguma ilegalidade na relação do presidente e da sua campanha com a Rússia mas não resultou. Curiosamente foi um telefonema também para o antigo espaço soviético, ao presidente ucraniano para investigar um caso a envolver o filho do democrata Biden, que deixou Trump nesta situação incómoda. E digo incómoda porque dificilmente irá ter consequências.
Tirando uma remota tentativa de impeachment no século XIX, o caso de Nixon tinha ficado como símbolo desta medida extrema que ao ser possível dignifica a democracia americana. Nem um presidente, eleito por voto popular, é intocável perante a lei, siginificava.
Mas até foram os republicanos quem primeiro banalizoua medida ao tentar há duas décadas destituir Bill Clinton por causa de um eventual perjúrio durante a investigação a um caso de sexo com uma estagiária da Casa Branca. Claro, o impeachment falhou então porque assentava mais numa lógica de combate partidário do que de defesa dos valores da Constituição.
Ninguém pode assegurar que Trump aqui e ali não se excede, confundindo manobras que nos tempos de empresário era aceitáveis com gestos que um presidente deve evitar. Mas a votação agora na Câmara dos Representantes, com uns poucos democratas rebeldes, e um partido republicano coeso a 100%, promete afetar mais a democracia americana do que o presidente, protegido tudo leva a crer por uma maioria fiel no Senado, que será o órgão que o julgará.
Tudo isto revela a menos de um ano da eleição presidencial o quanto dividida está a classe política e a própria sociedade. Mostra também que seja com Biden ou com Warren ou com Sanders os democratas acreditam pouco que o seu candidato saído das primárias será capaz de derrotar Trump só com recurso ao debate de ideias. Aliás, vitimizam Trump e reforça assim a sua base de apoio, que mobilizada pode dar-lhe a reeleição.
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