Para o sociólogo, a pandemia tem sido utilizada como um álibi para justificar erros e políticas de governos
No final do ano 2015, início de 2016, os Estados Unidos, por decisão, não diretamente da Casa Branca, que manda muito pouco, mas em cumprimento aos ameaçados interesses do Estado profundo (complexo industrial-militar, mais o capital financeiro e o clube de ouro da plutocracia) resolveu sabotar as forças econômicas daqueles que podiam trazer risco para o Império. A saber: Rússia, Irã, Nigéria, Venezuela e Brasil – todos importantes produtores de petróleo/gás natural, e igualmente todos fora do eixo de influência geopolítica dos Estados Unidos naquela ocasião.
Como foi isso?
Concertados aos seus eternos aliados, a família Saud da Arábia Saudita, combinou a prática de dumping prolongado no preço do barril de óleo. A rebaixa do preço, portanto, foi absolutamente artificial e induzida pelos interesses da geopolítica do poder profundo do Império.
Estávamos diante de uma manobra criminosa e covarde. Assim, os Estados Unidos lograram garantir suprimento de energia, através da exploração insustentável do famigerado shale gas (xisto betuminoso).
A produção de óleo e gás de xisto é altamente danoso ao meio ambiente. Exige muita água misturada com químicos contaminantes. Esse coquetel venenoso é injetado sob alta pressão no subsolo, com o intuito de fracionar as rochas e assim liberar o gás combustível. Ocorre que esses poços de xisto são explorados por alguns meses apenas. Menos de um ano e já retiram tudo que o local poderia propiciar de vantagens econômicas.
Ora, isso exige enorme capital intensivo e continuado.
As empresas que exploram o gás de xisto estão muito alavancadas (desculpem a expressão do jargão financeiro), profundamente endividadas, e cada vez mais necessitando de investimento extra, numa roda viva frenética e irracional. Tanto assim que a poderosa e tradicional petroleira Royal Dutch Shell se retirou do negócio do shale gas, ainda no ano de 2013.
Em suma: o gás de xisto – já previam analistas bem informados, em 2015 – constituirá a próxima bolha financeira a explodir no bolso do povo estadunidense e mundial, a exemplo da bolha imobiliária de setembro de 2008, cujos resultados deletérios se fazem sentir até hoje.
Em que pese os Estados Unidos terem alcançado em 2014 a liderança mundial em produção de óleo, neste momento, a situação está quase explosiva: do Texas às Dakotas, de leste a oeste, o endividamento da indústria do petróleo está no limite.
A exploração do xisto exige altos custos, somente um petróleo a mais de 60 dólares o barril pode oferecer margens rentáveis e seguras. Hoje, o barril está abaixo de 40 dólares, e pode resvalar pra baixo. Tanto o Financial Times como o The Economist, dois veículos de confiança do neoliberalismo, informam que as dívidas das grandes corporações, hoje, nos Estados Unidos são duas vezes maior que em 2008, ano da crise do subprime e gênese da atual recaída crítica.
Considerando que o sistema já injetou, desde 2008, cerca de astronômicos 30 trilhões de dólares no mercado financeiro, com o objetivo de evitar a bancarrota definitiva, vamos convir que o cenário da calamidade está prestes a explodir em toda a sua dramaticidade e realismo.
Agora, observem esse comentário:
“Os fundamentalistas de livre-mercado acreditam que os mercados tendem a um equilíbrio natural e que os interesses de uma sociedade serão alcançados se cada indivíduo puder buscar livremente seus próprios interesses. Essa é uma concepção obviamente errônea porque foi a intervenção nos mercados, não a ação livre dos mercados, que evitou que os sistemas financeiros entrassem em colapso. Não obstante, o fundamentalismo de livre-mercado emergiu como a ideologia econômica dominante na década de 1980, quando os mercados financeiros começaram a ser globalizados, e os Estados Unidos passaram a ter um déficit em conta-corrente”.
Um desavisado pode supor que o autor destas linhas seja algum professor de teoria monetária do campo da esquerda ou no mínimo um keynesiano convicto. Nada disso, o parágrafo acima foi extraído de um artigo do investidor George Soros, publicado no Financial Times, em janeiro de 2008. Como se vê, nem todo o grande investidor e especulador tem perfil de aventureiro irresponsável e despreocupado com a sua própria biografia.
A bolha prestes a explodir
Analistas geopolíticos, a comunidade de cientistas da área de energia, as agências de informação e investidores não-aventureiros/atentos já vêm percebendo um bom tempo a insustentabilidade temerária da indústria petroleira dos Estados Unidos. E sempre o fazem comparando com o agravado quadro do endividamento das grandes corporações ianques, fator de predisposição para a contaminação generalizada dos bancos locais. Por que tratam-se de dívidas podres, sem qualquer freio estatal de regulamentação, um quadro caótico e de periculosidade grau máximo, em um cenário que repete setembro de 2008.
Observando o tóxico caldo de cultura apresentado pelos Estados Unidos, a Rússia e a Arábia Saudita trataram de tirar algum proveito da vulnerabilidade escancarada do maior produtor mundial de petróleo. Com que armas? Ora, com o preço do barril de óleo.
Na Arábia Saudita, o príncipe interinamente no poder, Mohammed bin Salman, tem um projeto pessoal de permanência no poder, e veleidades de grandes modernizações do País. Os sauditas controlam a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e são os maiores exportadores, mas passam por grandes desvalorizações da estatal Aramco (que financia os sonhos de Salman). Por isso, dias atrás, propuseram diminuir a produção de óleo para forçar a alta do barril.
Os russos não aceitaram diminuir a produção. Ao contrário, propuseram aumentar a escala extrativa e a oferta, para que os preços caíssem mais, visando abalar diretamente a endividada indústria petroleira dos Estados Unidos. Um porta-voz do presidente russo, Vladimir Putin, informou que o país possui um fundo soberano na ordem de 170 bilhões de dólares. Esse fundo, segundo eles, pode lastrear e sustentar preços do barril de petróleo achatados em míseros 25 dólares/barril, por longos 25 anos.
Assim, entramos em um período de guerra fria no preço do petróleo, entre Arábia Saudita e Rússia. Ambos visam tirar a liderança em vendas dos Estados Unidos, mas por motivos distintos.
Onde entra a pandemia coronavírus?
Como se vê, o conflito central da atual crise mundial é o preço do petróleo, agravado pela pandemia e a delicadíssima situação do capitalismo hiper-financeirizado.
São três camadas visíveis da realidade crítica: no primeiro plano, o mais evidente e exposto pela mídia mundial, é o coronavírus, que já diminui a atividade econômica da China e de diversos países da Europa, do Irã (também abalado por sanções dos Estados Unidos), e o próprio Estados Unidos.
No segundo plano, temos a guerra de preços do barril de petróleo, que pode precipitar uma crise profunda na economia estadunidense. E no terceiro plano, o perigoso endividamento dos conglomerados dos EUA, duas vezes maior que em 2008, como frisamos acima. As Bolsas de Valores caem no mundo todo, acusando graves anomalias estruturais: o sistemão está enfermo, sem previsão de melhoras.
E a gripe propriamente dita? A pandemia – metaforicamente – está funcionando como o catalisador na reação química, aumenta a velocidade da reação, mas não participa da composição dos resultados e dos seus efeitos.
Aliás, suspeita-se que o fato de a pandemia ter origem na província chinesa de Hubei, possa ter sido inoculada por uma ação terrorista de guerra biológica dos EUA contra a China. Não seria a primeira vez que os estadunidenses usam de métodos da chamada biowar para combater e prejudicar seus inimigos.
Em Cuba, nas décadas de 1980 e 1990, foram vários os ataques com agentes biológicos nocivos à agricultura e às reservas pesqueiras da ilha, base da alimentação do povo cubano. O governo de Fidel, na época, aumentou em muito o orçamento público para a área de pesquisa em bioquímica e biomedicina, com o objetivo de formar quadros profissionais capazes de responder às sabotagens políticas dos Estados Unidos.
Hoje, as informações que chegam da China mostram que há um declínio rápido da pandemia em Hubei e em todo o país, evidenciando que houve uma reação do Estado de forma eficaz e profissional. Se ocorreu sabotagem dos Estados Unidos, não se sabe, mas de qualquer forma foi frustrado pela ação precisa do Estado chinês e seus capacitados agentes públicos, cientistas e equipes de saúde comunitária.
Álibi do fracasso neoliberal
O que se viu na sequência foi a apropriação do fato midiático da pandemia como um álibi para justificar os equívocos e as políticas excludentes de governos como o de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro no Brasil. A estagnação da economia brasileira está sendo atribuída em parte à pandemia viral, e o mais grave, agora a direita do Brasil volta a insistir com reformas antipopulares como antídoto à gripe globalizada. O ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, teve a pachorra de dizer que “nós estávamos em pleno voo, começando a decolar, quando fomos atingidos por essa onda”, referindo-se à pandemia de gripe. O lunático e perigoso ministro ultra-neoliberal pega carona no vírus da gripe para justificar o completo fracasso do bolsonarismo de destruição do país.
Como se pode constatar estão ideologizando o vírus da gripe. Na falta de projetos de Nação, usam até os micróbios para justificar omissões e ameaçar com os fantasmas do momento.
Temos à nossa frente graves dificuldades com a pandemia da gripe. Mas os grandes desafios sistêmicos-estruturais virão de fato dos resultados deletérios e desastrosos da bolha petroleira dos Estados Unidos, que joga o Império no plano inclinado da decadência definitiva e aponta uma nova hegemonia mundial marcada pelo protagonismo da Eurásia e alguns aliados europeus. Mais que danos aos indivíduos, o chamado coronavírus atinge o coração abalado e fraco do próprio atual líder do sistema-mundo.
Quem viver, verá.
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