The Ethnic Vote in America

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O “voto étnico” na América

Como é que funcionou o “voto étnico” nas últimas eleições norte-americanas? De acordo com uma projeção provisória da cadeia de televisão CNN, o candidato democrata e vencedor das referidas eleições, Joe Biden, teve 42% dos votos dos eleitores brancos, contra 57% de Donald Trump; 87% dos votos negros, contra 12% do seu adversário; 66% dos votos latinos, contra 32% do republicano; 63% dos votos dos asiáticos, contra 31% do ainda presidente; e, por fim, 58% dos “outros” (seja lá o que isso for), contra 40% do atual ocupante da Casa Branca.

Uma conclusão salta à vista: o voto dos eleitores negros foi fundamental. “Sem o apoio retumbante dos negros, seríamos confrontados com um resultado muito diferente. A comunidade negra venceu esta eleição” – afirmou Patrisse Cullors, uma das cofundadoras do movimento Black Lives Matter.

Os eleitores negros, nos Estados Unidos, têm uma tradição de absentismo eleitoral elevado, não por causa da sua suposta “preguiça”, como alegam alguns, mas devido ao racismo estrutural existente no país. Uma das evidências dessa realidade são as estratégias de voter supression usadas pelas autoridades estaduais republicanas, para dificultar o voto das minorias em geral e em especial dos negros.

Os democratas e Biden em particular aprenderam as lições de 2016 e, por isso, nestas eleições, levaram a cabo um amplo movimento para incentivar os eleitores negros a comparecer às urnas. Tratou-se de um movimento verdadeiramente nacional e transversal, no qual participaram políticos, ativistas sociais, igrejas, intelectuais, estudantes, desportistas, celebridades e pessoas anónimas.

Uma figura emergiu desse movimento e destas eleições: a candidata a governadora da Georgia derrotada por escassa margem dois anos atrás, Stacey Abrahms. Ela foi, de facto, a grande articuladora da virada pró-democrata da Georgia. Desde que perdeu a eleição para governadora, criou uma fundação para mobilizar e organizar a comunidade negra, durante dois anos, no sentido de registar o maior número possível de potenciais eleitores e de os mobilizar para o voto no último dia 3 de novembro. Os resultados estão aí.

Assim, e em que pese o facto de a vitória na Pensilvânia ter sido determinante para a eleição de Biden, o resultado da Georgia pode ser considerado o mais significativo simbolicamente. Stacey Abrahms já disse que esse resultado se deve a muito mais do que ao fator racial, pois os democratas da Georgia conseguiram montar uma grande coalizão entre a comunidade negra, os brancos progressistas e outros grupos, mas, dado o histórico do estado – foi o último a abolir a escravatura no país -, a vitória de Biden pode significar o início de uma nova marcha para combater o racismo ainda prevalecente na sociedade americana.

Outra nota tem a ver com o voto latino. Na verdade, o que as últimas eleições demonstraram é que não existe um “voto latino” na América. Existem vários. Assim, o voto dos americanos de origem latino-americana foi decisivo para a vitória de Trump na Florida, mas foi determinante para a vitória de Biden em estados como o Novo México, Arizona e Nevada. Um parêntese para comparar isso com o voto dos negros: apesar de 12% deles terem escolhido Trump, não foram decisivos para nenhuma das suas vitórias locais.

Voltando ao voto latino ou hispânico, os “latinos” da Florida são, resumidamente, cubanos anticastristas, venezuelanos ressabiados com o regime de Caracas e até brasileiros novos ricos e na maioria bolsonaristas, todos eles disponíveis para engolir a retórica trumpista segundo a qual Joe Biden é “socialista” (?). Nos outros estados mencionados, são normalmente mais pobres e de origem mexicana e de outros estados da América Central e da América do Sul, mais sensíveis à agenda democrata, que prevê um maior papel do Estado na sociedade.

Quanto aos brancos, a vitória de Trump deve-se sobretudo aos homens, pois Biden foi também o mais votado entre as mulheres. Entre os 57% de eleitores brancos que votaram pró-Trump estão muitos indivíduos pobres e com menos instrução formal, entre eles operários afetados por certos efeitos perversos da globalização neoliberal, como a transferência de fábricas para regiões do mundo onde a mão-de-obra é mais barata, a robotização e a revolução tecnológica em geral, assim como a financeirização da economia.

Pobres votando em figuras como Trump e outras similares pelo mundo afora é um paradoxo que as forças democráticas têm de decifrar, sob pena de serem devoradas. Como escreveu há dias no jornal brasileiro Folha de S. Paulo o escritor Marcelo Coelho, “não se vence o fascismo sem entender e conquistar os pobres de direita”.

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