The End of Rush Limbaugh’s Bluster

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Ontem, nem todas as bandeiras foram içadas a meia haste na Florida, no sétimo dia da morte de Rush Limbaugh. Divisivo em vida, divisivo depois desta, a intenção de homenagear o radialista conservador não colheu consenso no estado governado por Ron DeSantis, republicano. Em Palm Beach, onde Limbaugh residiu durante décadas, a autarca local defendeu que “apesar de ter sido uma figura pública significativa, foi também incrivelmente divisivo, ferindo muitos com as suas palavras e ações”. Tal não se trata propriamente de um exagero. Maestro da polarização, grande xamã do tribalismo e acólito vocal do trumpismo, a polémica do que fazer perante a sua morte talvez seja o tributo mais justo à sua vida.

O facto de a maioria dos jornais americanos ter optado por publicar obituários com pontos de vista diferentes sobre o mesmo homem mostra bem o quão divergente é o seu legado.

Numa palavra, Rush Limbaugh era um bully. E um bully com um microfone. A ideia de que a política é um “tudo ou nada”, imersa num maniqueísmo ideológico em que o meio-termo é uma inexistência, a moderação é uma impossibilidade e o consenso uma derrota. Isso era Limbaugh. Milionário, oriundo de uma família de juízes e juristas, foi a personalidade radiofónica mais escutada nos últimos 30 anos dos Estados Unidos da América, com uma audiência de 20 milhões de ouvintes semanais. Jogava golfe com figuras igualmente controversas, como Rudy Giuliani, Roger Ailes e o próprio Donald Trump, que o honraria com a medalha da Liberdade em 2020.

O seu estilo aguerrido, cujo sucesso começou a despontar no início da década de 1990, no pós-reaganismo, sustentava-se num monólogo duradouro e sem qualquer contraditório, tornando a rádio uma arma de arremesso político (muitas vezes, para alguns, de propaganda) com consequências diretas na opinião pública e no eleitorado da direita americana. Três horas ininterruptas, todos os dias úteis. O que os talk-shows da Fox News fizeram no pequeno ecrã Rush Limbaugh fez nas suas frequências AM e FM. Um precursor, se quisermos, dos muitos podcasts provenientes dos novos movimentos sociais e dos futuros protagonistas dos partidos políticos.

A banda sonora que levou o Partido Republicano até ao Tea Party e, depois, até Trump, teve nele o seu autor e mais distinto solista. E a sua proposta sinfónica era simples: que há uma corrida contra o tempo para salvar o modo de vida conservador de uma total obliteração pelo progressismo democrata, que o único modo de o conseguir é através de um combate radical, entrincheirado, violento, e que o establishment republicano já não é capaz de o fazer.

Limbaugh era não apenas um veículo dessas frustrações, mas um dos seus maiores difusores. Como sintetizou lucidamente Elizabeth Bruenig, colunista cristã do The New York Times, a doutrina evangélica que envolveu o trumpismo trocou o “dar a outra face” de Cristo pela lei de Talião: olho por olho, dente por dente.

Como todos os grandes moralistas, as suas sete décadas de vida deambularam pontualmente entre a ironia e a hipocrisia, às quais se escudava com humor e descaramento. Casou-se quatro vezes, foi apanhado com Viagra não receitado numa viagem à República Dominicana (“Pensei que fossem M&M”s da biblioteca Clinton”, gozou) e morreria aos 70 anos, vítima de cancro do pulmão, sendo fumador compulsivo e negacionista dos efeitos do tabaco na saúde humana. A covid-19? “Uma mera constipação.” As consequências da carreira de Rush Limbaugh no conservadorismo norte-americano? Uma longa pandemia, sem cura à vista.

Se o vociferar cessou, o seu eco não vai a lado nenhum.

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