Fim da guerra no Afeganistão?
Após 20 anos, os Estados Unidos iniciarão a retirada das tropas em 1.º de maio
Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
19 de abril de 2021 | 03h00
A mais longa guerra da história dos EUA chega ao fim. Vinte anos após os atentados de 11 de Setembro, Joe Biden anunciou a retirada das forças americanas no Afeganistão. “Creio que a nossa presença deveria ser focada na razão pela qual fomos lá”, disse Biden: “Garantir que o Afeganistão não seria utilizado como base para atacar o nosso país de novo – nós fizemos isso”. Fizeram?
Em certa medida, sim. A destruição do governo Talibã em 2001 (Operação Anaconda) expulsou do país a maioria da Al-Qaeda. Como parte dessa estratégia, a Operação Cobra II no Iraque, em 2003, destruiu o governo Saddam Hussein. As táticas de mudanças de regime, em menor tempo e com menos mortes do que o esperado, foram um sucesso. Após o 11 de Setembro, não houve nenhum ataque de magnitude similar contra território americano. Mas os EUA e seus aliados fracassaram na estabilização militar e política do Afeganistão e do Iraque.
Os conflitos assumiram um caráter de insurgências prolongadas, complexas e sangrentas. No Iraque, a perseguição às minorias sunitas pela autocracia xiita foi determinante para a ascensão do Isis, e os EUA se retiraram em 2011 apenas para retornar em 2014. Embora tenham expulsado o Isis, os conflitos mantêm o país em profunda instabilidade. Os esforços de reconstrução no Afeganistão tiveram algum sucesso, com melhorias na educação, saúde e em especial nos direitos das mulheres. Mas o país continua dependente de doações internacionais sob um governo territorialmente limitado e paralisado pela corrupção. Desde que os EUA e a Otan suspenderam as operações de combate em 2014, o Talibã restabeleceu diversas bases e reconquistou a iniciativa militar sobre o governo afegão.
A rigor, o único sucesso inquestionável nesses 20 anos foi a morte de Osama bin Laden – mas mesmo isso foi o resultado de operações de inteligência praticamente independentes das forças no Afeganistão. A justificativa para a invasão do Iraque – a posse e fabricação de armas de destruição em massa – se mostrou falsa, deteriorando a legitimidade dos EUA e seus aliados e debilitando a credibilidade de seus esforços antiterroristas na mesma medida em que insuflou a radicalização de comunidades islâmicas.
Estrategicamente, o único vitorioso na guerra do Iraque foi o Irã, que robusteceu sua influência no país. Em resumo, os EUA não venceram a guerra no Iraque e fracassaram em quase todos os seus objetivos no Afeganistão.
Mas acaso isso significa que a retirada é o melhor desfecho? Analistas, conselheiros e diplomatas americanos advertiram Biden de que não. O grupo bipartidário de estudos sobre o Afeganistão sugeriu que 4,5 mil americanos seriam suficientes “para treinar, aconselhar e assistir as forças afegãs; apoiar as forças aliadas; conduzir operações contraterroristas; e proteger a embaixada”.
A data de início da retirada, 1.º de maio, foi acertada por Donald Trump em um acordo com o Talibã, pelo qual este deveria romper com a Al-Qaeda e entrar em negociações com o governo de Cabul. Nenhuma dessas promessas foi cumprida, e a retirada, agora anunciada, elimina qualquer incentivo para que sejam. Ao contrário, o Talibã estará em condições de escalar os conflitos, eventualmente levando o governo ao colapso e revertendo décadas de progresso para restabelecer a teocracia brutal dos anos 90.
Biden está disposto a correr esse risco para pôr fim a essas “guerras intermináveis”. Compreensivelmente, conta com o apoio de muitos americanos. Com efeito, a data final para a retirada – 11 de setembro – sugere que a decisão é mais motivada por voluntarismo político que por razões estratégicas. Os EUA afirmam que continuarão o contraterrorismo a distância e enviarão recursos ao governo do Afeganistão. Também apresentaram um plano para uma composição democrática com o Talibã. O mundo espera que ao menos essa estratégia dê certo. Mas, se o Afeganistão se tornar uma incubadora para a Al-Qaeda e o Isis, os EUA poderão ser obrigados a retornar, como retornaram ao Iraque. Nesse caso, o que parece ser o fim de uma guerra interminável poderá ser apenas o começo de uma guerra mais longa, mais complexa e mais sangrenta.
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