União contra um problema global
O presidente Joe Biden está determinado a reposicionar os Estados Unidos como país líder de iniciativas de cooperação internacional para o enfrentamento de problemas globais, papel perdido durante a administração isolacionista de seu antecessor. Há poucas semanas, Biden reuniu os líderes de 40 países para discutir planos de contenção das mudanças climáticas. Agora, diante da outra grande ameaça global, a pandemia de covid-19, o presidente americano promoveu uma inflexão histórica no posicionamento dos EUA sobre patentes farmacêuticas, o que pode levar à mudança de posição de outras nações.
No dia 5 passado, a representante comercial dos EUA, a embaixadora Katherine Tai, anunciou a decisão do governo americano de apoiar a suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas contra a covid-19, pleito capitaneado pela Índia e pela África do Sul no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O objetivo é facilitar a transferência de tecnologia e aumentar a disponibilidade de vacinas contra o coronavírus nos países pobres e em desenvolvimento.
A mudança de posição do governo americano é histórica porque, tradicionalmente, os EUA nem sequer admitiam discutir quebra de patentes, haja vista que as maiores empresas farmacêuticas e de tecnologia do mundo são americanas. Não foi surpresa, portanto, a reação negativa da chamada Big Pharma à mudança de tom da Casa Branca.
“Esta é uma crise de saúde global e as circunstâncias extraordinárias da pandemia de covid-19 exigem medidas extraordinárias. O governo (Biden) acredita fortemente nas proteções da propriedade intelectual, mas, em um esforço para acabar com esta pandemia, apoia a suspensão dessas proteções em relação às vacinas”, disse Tai. A embaixadora afirmou ainda que seu país vai “participar ativamente” das negociações na OMC para permitir que os objetivos almejados com a suspensão das patentes sobre vacinas sejam alcançados.
A União Europeia (UE), onde também estão grandes empresas farmacêuticas e, por esta razão, também sempre manifestou posição contrária à quebra de patentes, parece inclinada a seguir a nova direção de Washington. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre vacinas “pode ser uma das soluções pragmáticas e eficazes” para aumentar a taxa de imunização contra o coronavírus em todo o mundo.
O Brasil, que vinha mantendo posição contrária à quebra de patentes das vacinas, “recebeu com satisfação a disposição dos EUA para negociar, no âmbito da OMC, solução multilateral que contribua para o combate à covid-19”. Após se reunir com a embaixadora Tai, no dia 7 passado, o chanceler Carlos França afirmou que o governo brasileiro “discutirá, em maior profundidade, com os EUA sua nova posição e suas implicações práticas para facilitar amplo e urgente acesso a vacinas e medicamentos no combate à covid-19”.
Há dúvidas razoáveis sobre o efeito prático da suspensão das patentes das vacinas. As nações em desenvolvimento terão condições de produzir com rapidez imunizantes tecnicamente complexos como os da Pfizer e da Moderna, por exemplo, que têm como base tecnológica o RNA mensageiro do coronavírus? Hoje, o Brasil tem capacidade para produzir duas vacinas, a Coronavac (Instituto Butantan) e a Covishield (Fiocruz), ambas de tecnologia menos complexa. Ainda assim, há dificuldades de produção local, causadas, em boa medida, pelos conflitos que o presidente Jair Bolsonaro estimula contra a China, grande fornecedor dos insumos para a produção desses imunizantes.
Não obstante essas dificuldades práticas, a suspensão das patentes é uma iniciativa muito bem-vinda. Como disse o senador José Serra (PSDB-SP), com a autoridade de quem atuou, como ministro da Saúde, para eliminar patentes de antivirais que fizeram do Brasil referência no tratamento da aids, “vivemos um momento atípico e lucros exacerbados não podem estar acima da vida”.
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