Conforme os Estados Unidos começam a voltar a normalidade pré-pandemia, as orientações oficiais quanto ao uso de máscaras estão sendo relaxadas. Deveria ser um momento de pura alegria, mas, julgando pelas reações na imprensa e nas mídias sociais, o resultado foi mais confusão do que alívio. Parece ser uma crise de confiança nas autoridades e instituições que vem do início da pandemia. Em fevereiro de 2020, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) orientou a população a não usar máscaras, e reverteu a recomendação em abril. Nesse período, cientistas aprenderam mais sobre a transmissão da Covid-19, e vários países e a Organização Mundial da Saúde (OMS) mudaram de posição quanto ao uso de máscaras. Mas a impressão que ficou é de que o CDC foi, ao menos em parte, motivado pela necessidade de preservar os estoques de EPI para os profissionais de saúde. A medida provavelmente teve efeito positivo na saúde pública, mas o efeito na confiança pública no CDC foi, previsivelmente, negativo.
Com a vacinação avançando, mas ainda longe da imunidade de rebanho, a agência começou a flexibilizar as orientações gradualmente… até que, repentinamente, anunciou que quem está vacinado não precisa mais usar máscara. Liberou geral para os vacinados, mesmo em ambientes fechados, mesmo sem distância social, com poucas exceções. Mas não há como verificar quem foi ou não vacinado. Com a confiança no CDC em baixa, nem todo mundo acredita que os vacinados estão suficientemente protegidos de pegar e transmitir a doença, mesmo sem máscara. Especula-se que a mudança pode ser, novamente, devida a motivos indiretos. Neste caso, a liberação seria um incentivo para quem ainda não se vacinou ir se vacinar, para poder finalmente parar de usar a máscara.
Gera-se então uma situação quase absurda, na qual (pelo menos segundo relatos na imprensa e mídias sociais) os mais cautelosos entre os vacinados preferem seguir usando a máscara, e desconfiam de quem não faz o mesmo. Afinal, não podem ter certeza de que os ‘sem-máscara’ são de fato pessoas vacinadas, e não negacionistas, anti-vacina, ou simplesmente pessoas que não querem revelar que ainda não foram vacinadas. Uma vez que essa desconfiança existe, ou que um número suficiente de pessoas acredita que ela existe, surge a pressão social para continuar usando a máscara. Mesmo pessoas vacinadas que se sentem seguras sem máscaras dizem que pretendem continuar a usá-las, em consideração àqueles que, vacinados ou não, ainda não se sentem seguros dividindo espaços com pessoas de rosto descoberto.
(Será que podemos terminar com uma situação em que os vacinados estarão mais propensos a continuar a usar máscaras do que os não vacinados, justamente o contrário do que recomenda o CDC? É improvável–em pesquisa da revista The Economist, apenas 5% dos entrevistados não querem ser vacinados nem usam máscara — mas mesmo a possibilidade é tragicômica.) Vale salientar que o CDC dá apenas orientações, que não são obrigatórias. Governadores, prefeitos, e donos de estabelecimentos ainda podem decidir exigir o uso de máscaras. Mas, em plena reabertura, cada estabelecimento fica com o ônus de equilibrar as vontades de quem quer se livrar da máscara e quem quer ter cautela. Qualquer decisão vai irritar uma parte do público. Por fim, não seria ruim se a pandemia levasse os Estados Unidos (e o Brasil, e o mundo todo) a adotar normas sociais em que máscaras são normais, ao menos para quem está doente ou durante a época da gripe. Mas seria preferível chegar a estas normas através da consciência da necessidade de proteger os demais, do que através da desconfiança generalizada.
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