US Steps Further away from the Middle East

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EUA mais longe do Oriente Médio

14/06/2021 • 01:00

Por Hussein Kalout

O Senado dos Estados Unidos aprovou, na semana passada, um projeto de lei intitulado Pacto de Inovação e Competição. Resultado de uma rara articulação política entre o Partido Democrata e o Republicano, o objetivo precípuo do projeto é conter o avanço da expansão do poderio econômico e político da China no mundo, por meio, entre outras medidas, da injeção de mais de US$ 200 bilhões em áreas como ciência, tecnologia, pesquisa e segurança cibernética.

O projeto ilustra também os contornos da estratégia norte-americana para modular a construção da nova ordem geopolítica mundial. A rivalidade com a China passará doravante a reger a inserção e a atuação tática e estratégica dos EUA nas variadas regiões geográficas do mundo e nos diferentes foros internacionais.

Com a mudança do centro gravitacional das relações internacionais para a região da Ásia-Pacífico, os Estados Unidos estão redefinindo a ordem de prioridade de suas opções estratégicas. E, sob o manto dessa nova doutrina de política externa, o Oriente Médio perde importância na projeção de poder norte-americano no mundo. Uma vez resolvido o problema do acordo nuclear iraniano, os EUA darão sequência ao processo de desengajamento gradativo da região.

Esse ponto de inflexão é particularmente visível à luz da “insolubilidade” do contencioso israelense-palestino — que caminha para ser, cada vez mais, um problema interno de Israel. Da perspectiva americana, não se trata de abandonar completamente um aliado histórico. A administração Biden não estará mais, contudo, disposta a assumir o passivo que esse conflito representa para seus interesses globais e seguir perdendo energia com um contencioso de baixo valor agregado geopolítico diante da competição com a China — e, agora, com reflexos e custos domésticos.

O posicionamento americano em defesa automática de Israel em temas como direitos humanos tende a ficar cada vez mais dispendioso politicamente junto à base do Partido Democrata, ponto de preocupação para a Casa Branca. Do ponto de vista de Washington, o fortalecimento de agremiações políticas dominantes contrárias à existência de dois Estados — associado à franca expansão colonial na Cisjordânia — faz com que se inviabilize, cada vez mais, a adoção de uma narrativa ambivalente no campo político-humanitário.

A expropriação habitacional em Jerusalém Oriental, o conflito civil intra-Israel, a expansão ilegal de assentamentos em território palestino, as ameaças de anexação de partes vitais da Cisjordânia terão custos mais pesados diplomaticamente para os EUA, sobretudo por seu papel de mediadores exclusivos e patrocinadores de um fracassado processo de paz que completa três décadas — a legitimidade americana, nesse particular, já é contestada abertamente pela China.

Ciente de que o contencioso poderá estar mais propenso a retrocessos do que a avanços, Washington se vê forçada a se descolar do impasse gerado pela Era Netanyahu. A política do governo Netanyahu, por suas concessões a agremiações extremistas, deixa como legado duas entropias difíceis de desmantelar sem traumas profundos para Israel: 1) o conflito civil judaico-árabe-israelense; 2) a percepção crescente, no exterior, de que a Era Netanyahu pavimentou o caminho para um regime de apartheid.

Com o novo governo em formação em Israel, tudo indica que prevalecerá a manutenção do statu quo e o agravamento provável da conjuntura social no futuro. Diante disso e das novas prioridades geoestratégicas, Biden tenderá a evitar o passivo que a insolubilidade do contencioso representa, inclusive seus custos sócio-humanitários crescentes. A política de desengajamento gradual do Oriente Médio, lançada no governo Obama, já está em curso. O foco e a energia dos EUA serão canalizados para a competição com a China.

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