Afghanistan: So Many Sacrifices, For What?

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Entrada de leão, saída de sendeiro. Talvez esta expressão popular não se aplique inteiramente à retirada das tropas americanas e dos seus aliados da NATO do Afeganistão. Trata-se, sem dúvida, de uma saída inglória, após quase vinte anos de esforços humanos e financeiros descomunais. O modo como abandonaram a sua principal base militar, em Bagram, a cerca de uma hora a norte de Cabul – pela calada da noite, deixando para trás uma situação indefensável e ingerível, nomeadamente uma prisão com mais de 5 mil prisioneiros ligados ao terrorismo – tem um valor simbólico dramático. Significa impasse, recuo e abandono do governo e do povo afegãos à sua sorte. Numa palavra, derrota. Com os fanáticos talibãs a ganhar terreno um pouco por todo o país, a retirada vai permitir que cheguem a Cabul antes dos rigores do inverno. Estamos na altura do ano ideal para campanhas militares no Afeganistão e a via está aberta para o assalto ao poder.

São muitas as reflexões possíveis sobre tudo isto. Neste momento, é sobretudo importante compreender as razões do despegar americano. O Afeganistão perdeu o interesse estratégico que havia mantido durante anos, quando o combate ao terrorismo islamista era considerado uma prioridade em Washington. Os Estados Unidos pensam agora que estão suficientemente protegidos contra esse tipo de ameaças. Temos aí uma enorme divergência em relação aos aliados europeus. Estes continuam a ver o terrorismo como um perigo maior e olham para a ofensiva dos talibãs com grande apreensão. Mas manda quem pode e os europeus da NATO não tiveram outra opção para além de um alinhamento acrítico com a posição americana.

Para Washington, o Afeganistão passou a ser visto como uma guerra sem fim e como uma distração em relação ao novo foco agora bem mais importante: a China. E vê a rivalidade entre as duas superpotências como resolvida na região onde se insere o Afeganistão. Por isso, não quer perder mais tempo e recursos nesse espaço geopolítico onde a China já conta com a subordinação dos dois países que mais importam: o Paquistão e o Irão. O corredor económico China-Paquistão, que termina no porto paquistanês de Gwadar, no mar da Arábia, é talvez o projeto mais relevante da Nova Rota da Seda. Aos olhos de Beijing, está garantido. Por outro lado, o Irão assinou um acordo económico de longo prazo com a China em março de 2021. Os investimentos chineses deverão atingir os 400 mil milhões de dólares nos próximos anos. É a passagem do Irão para a órbita da China. No meio, restará o Afeganistão do caos e do radicalismo, mas sem capacidade para prejudicar os interesses chineses na região. Os talibãs dependem desses dois vizinhos, sobretudo do Paquistão, e não deverão agir contra os seus interesses.

Contudo, para além dos jogos estratégicos, existem as pessoas, vítimas de um conflito cruel, pobres, mas resilientes e dignas. Estão profundamente preocupadas, como aliás muitos de nós, aqui na Europa. Primeiro, porque um regime baseado numa visão primitiva da vida em sociedade não tem qualquer consideração pelos direitos humanos. Trata todas as pessoas, a começar pelas mulheres e as raparigas, de modo incrivelmente opressivo e desumano. O extremo sofrimento que se anuncia para milhões de cidadãos afegãos não nos pode deixar indiferentes. Segundo, porque os potenciais terroristas na Europa verão no ressurgimento da tirania talibã um novo balão de oxigénio. Terceiro, porque os radicais assassinos que operam no Sahel e noutros pontos de África, em países que fazem parte das nossas alianças históricas, poderão obter novas oportunidades de apoio.

Uma lição que se vai tirar de tudo isto é que não se pode contar com o apoio dos ocidentais. Esse apoio surge e depois desaparece, no escuro da noite, segundo as conveniências, a direção do vento político e as prioridades de quem vive longe dos problemas.

Pensar que estes são alguns dos resultados da longa e dolorosa intervenção ocidental no Afeganistão só pode deixar-nos desolados. Mais ainda, fica-nos sobretudo um sentimento amargo de fracasso e impotência. De uma Europa submissa em política externa e de segurança, num mundo onde pouco pesa e menos conta.

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