A próxima guerra
Saída do Afeganistão fecha 20 anos de conflitos do 11/9; mundo continua perigoso
Efemérides raramente suscitam algo mais do que uma oportunidade para reflexão, mas os devastadores ataques do 11 de Setembro, por decisão política e alguma ironia histórica, encontram neste 2021 um incomum fecho real de ciclo.
A retirada norte-americana do Afeganistão, atabalhoada como foi, coroou a derrota para o Talibã, construída quando uma punição justa a um regime que protegia terroristas tornou-se uma guerra permanente e difusa.
O combate à ameaça justificou uma degradação nas liberdades que lançou o mundo em uma era de conflito perene acerca da inviolabilidade individual —da tesoura que não podemos carregar num avião a leis de proteção de dados, tudo remonta ao impacto daquele atentado 20 anos atrás.
Incluam-se efeitos sistêmicos na indústria energética, a partir da farsa da Guerra do Iraque sob pretexto de combate ao terrorismo.
Essas eram tendências que provavelmente se materializariam de uma forma ou de outra, mas são raros os fatos com dia e hora na história a marcar tais transições.
As guerras do 11 de Setembro tiveram enorme custo: talvez 800 mil vidas em todos os países nelas envolvidos, fora os US$ 8 trilhões aferíveis apenas em gastos diretos americanos, segundo estudo da Universidade Brown (EUA).
No retrovisor geopolítico, a ofensiva foi desastrosa para Washington. Enquanto se engalfinhavam em uma luta para a qual não tinham sido preparadas, as forças da maior potência militar da história viram sombras se avolumarem.
A ascensão da China a ameaça estratégica número 1 aos EUA, nas palavras do presidente Joe Biden, não passou despercebida.
Mas o desengajamento do poderio aplicado ao Afeganistão em favor de uma estratégia de contenção asiática, proposto em 2011 por Barack Obama, só agora começa a andar, girando em torno de aliados como Japão, Índia e Austrália.
Na Europa, a saliência militar da Rússia é tema cotidiano, com potencial para converter-se em questão global se a relação entre o Kremlin e a China se aprofundar.
Biden tenta operar com realismo, o que leva ao abandono do conceito de “guerra justa”, criado quando os inimigos eram nazistas e aplicado ao bel-prazer do Ocidente nas intervenções a partir dos anos 1990.
Os EUA buscam requalificar a ideia de uma guerra, deixando o termo para conflitos entre potências. Enquanto isso, seguirá atacando terroristas e adversários, e esses permanecerão como parte da paisagem. O mundo continua um lugar perigoso, talvez ainda mais.
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